quarta-feira, 8 de agosto de 2007

E agora, José?

Dr. José Frazão era um médico renomado. Concluira seus estudos acadêmicos numa das melhores faculdades do país. Pós-graduação, mestrado e doutorado feitos no exterior fizeram dele um ícone da traumatologia, área pela qual tinha tomado gosto quando ainda era um mero estudante universitário. Estudioso, apaixonado pela profissão e excessivamente cuidadoso com a sua aplicação sistemática e eficaz, Dr. José nunca abria mão de fazê-la valer em qualquer momento que fosse. Desde um corte no pé até um trauma lacerante de abdome, lá estava ele, pronto pra salvar alguém. Era conhecido pela gargalhada contagiante e pelo bom humor característico, sendo o preferido das enfermeiras por sempre começar seus plantões contando uma piada assaz engraçada. "É a felicidade andando de branco", diziam as enfermeiras sobre aquele homem esgrouviado, de cabelos negros e sorriso largo demais para sua face.

E era sempre assim. Às 19:00 horas começava o plantão que, teoricamente, estender-se-ia até às 7:00 do dia seguinte. Teoricamente porque ele nunca deixava o hospital às 7:00 horas. Não sem antes verificar paciente por paciente, gastando um ou dois minutos de uma boa conversa como forma de despedir-se. Isso fazia com que saísse lá pras 9 e pouco. Levando em conta, claro, que o próximo plantonista já havia chegado e não precisava de qualquer ajuda. Caso contrário, era comum sair de lá depois das 11. Chegava em casa com alma nova e corpo abatido. Dormia, comia, assistia à TV, brincava com os filhos, tendo a certeza de ter feito algo de bom por alguém. Isso o deixava demasiadamente realizado, impaciente na espera do próximo plantão que viria.

Um dia, porém, algo de incomum aconteceu. Perto da meia-noite de um dia chuvoso de Julho, Dr. José estava dando uma de suas rondas de rotina nos leitos do hospital quando foi surpreendido pela enfermeira-chefe, Dra. Marta, avisando-o de que um jovem acabara de chegar, sendo trazido pela ambulância do local no qual seu carro capotara 4 vezes, batendo violentamente numa árvore.

- Ele está muito mal, Doutor. Está desacordado e provavelmente sem respirar. Já mandei enviá-lo para o centro cirúrgico.
- Muito bem. Estou a caminho imediatamente! - disse ele, com uma face tensa e sisuda.

Chegando lá, Dr. José se depara com um garoto de 20 e poucos anos, sem camisa, cheio de hematomas pelo corpo. Estava inconsciente, deitado na maca e com um ar mórbido no rosto. Após cuidadosa avaliação, Dr. José disse:

- Muito bem, pessoal. O garoto lacerou o baço. Vamos precisar operar... e isso começa agora!

Em menos de três minutos a equipe estava toda preparada e Dr. José se preparava para fazer a incisão no corpo do rapaz. Ele e seus auxiliares estavam bastante preocupados com o decorrer da cirurgia, mas infelizmente não tinham muito tempo para pensar. Era preciso agir.

A cirurgia corria relativamente bem. Todos tentavam estabilizar os sinais vitais do garoto numa busca frenética pela vida. Nesse momento, a porta da sala abriu num baque ensurdecedor. Entrava por ela a recepcionista do hospital, Sara, com os olhos esbugalhados e a voz ofegante.

- Eles vieram com tudo, Doutor! Tentei explicar mas não me deram ouvidos! Só querem saber d...

Foi quando então entraram pela porta dois policiais carregando um homem desmaiado. Os policiais jogaram o homem na outra maca que havia ao lado da do garoto e um deles, num tom ameaçador, irrompeu:

- Esse homem é um dos criminosos mais procurados da região. O mais perigoso sequestrador que já houve... estávamos no seu encalço há mais de dois meses. Quando o encontramos, ele não hesitou em sacar a arma e atirar contra nós. Não tivemos outra alternativa que não fosse atirar de volta. Ele foi atingido e seu estado é aparentemente grave, por causa do grande número de balas alojadas em seu corpo...

O outro policial, que estava terminando de deitar o homem na maca, virou-se para o Dr. José e disse, num tom tão ameaçador quanto o primeiro:

- Esse homem detém informações valiosas para nós. Com elas, poderemos desarticular sua quadrilha, prender todos os envolvidos e salvar muitas vidas. Muitas vidas! O senhor vai ter que salvá-lo... AGORA!!!

Ainda desorientado e vendo toda aquela confusão dentro da sala de cirurgia, Dr. José murmurou:

- Não posso. Como vocês podem ver, esse jovem aqui está numa situação muita delicada e o procedimento cirúrgico já foi iniciado... estamos fazendo de tudo para salvá-lo e...

Sem muita delonga, o policial sacou a arma, apontou para a cabeça do doutor e disse:

- Vou falar de novo, vagarosamente para que não haja dúvida: o senhor vai salvá-lo.


E agora, José?







Post Scriptum 1: O final da história realmente não interessa.
[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...