segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Tratado sobre a confiança

Parte 3 de milhões.


Assinatura. Popularmente conhecida pela alcunha de rubrica, é uma coisa que todo mundo tem. Desde de pequenininho associamos a idéia de que ter uma assinatura é se tornar alguém importante, pois somente os importantes têm assinatura. Assinamos documento, atestado, certificado, declaração, caderno, a mão, as paredes, muros alheios, mas sequer imaginamos o que é ou de onde veio tão afamado instrumento. Muitos vão dizer que a assinatura é uma marca registrada da autenticidade do ser que assina, ou o que quer que isso signifique, mas a verdade é que essa é mais umas daquelas coisas que nós não damos a mínima de como surgiram desde que funcionem. É mais ou menos como espremedor de laranja e ralador de cenouras.

A questão é que lá atrás, nos tempos do mercantilismo, as transações precisavam de algo que servisse de garantia. Claro que ninguém era besta de deixar a coisa simplesmente apalavrada e correr o risco de levar um calote, uma vez que, já naquele tempo, as pessoas não eram lá o que se pode chamar de honestas. Foi quando, então, algum comerciante muito perspicaz resolveu criar uma forma de validar as negociações e atrelar ao comprador a responsabilidade de pagar pelo bem adquirido. Nesse momento surgia a assinatura. Depois de todo o rebuliço, nada podia rolar sem que houvesse um "contrato" no qual constava o autógrafo daquele interessado na compra, atestando que "iria pagar pela dívida supracitada". E depois disso foi uma felicidade só. Tinha até neguinho pobre sem um centavo no bolso que aprendia a escrever só pra dizer que tinha uma assinatura. Um luxo. E as garotas iam ao delírio.

E de lá pra cá a coisa foi evoluindo. As assinaturas se tornaram cada vez mais importantes nas inter-relações humanas. Até impressão digital hoje em dia, estão usando. É, meu amigo, a coisa tá ficando chique. O bom da impressão digital é que até pobre tem, muito embora as garotas ainda prefiram o bom e velho rabisco. Só uma coisa não mudou desde a época das iguarias, aquela coisa em volta da qual gira todo esse papo de garantia, assinatura, transação: a tal da confiança. E não sei nem porque ainda se fala tanto nisso. Ser humano nunca foi um bicho que entendesse essa palavra muito bem mesmo. E o pior é que ainda se atreve a dar explicações sobre ela. Veja só que cara de pau, não?!

É por conta dessa tal (des)confiança que hoje você tem uma carteira de identidade, por exemplo. Assim não fosse, não haveria a menor necessidade de provar a A ou B que você é você. Até mesmo porque se você não fosse você, você ia ser quem? Eu? E tem também a questão dos cheques e dos cartões de crédito. Por que usá-los? Dizer que vai pagar e depois voltar com o dinheiro, como uma pessoa honesta, não é suficiente não, é? Bem, acho que não. Atualmente, cartões de crédito só perdem em número para bordéis, faculdades de Direito e botecos, nessa ordem. "O pessoal nunca voltava pra pagar", dizia o inventor dessa genialidade consumista. E por aí afora vai. Muita coisa tida como normal e rotineira em nossas vidas escondem uma desconfiança histórica por trás.

Mas até certo ponto, é compreensível o porquê de tanta desconfiança. A confiança é uma das virtudes mais arriscadas que uma pessoa pode ter, ainda que, em contrapartida, seja uma das mais louváveis também. Confiar é, literalmente, acreditar nas coisas sem estar vendo, quase como você faz quando vai à Igreja. E para um ser tipicamente agnóstico, como o homem, ser assim é extremamente difícil. O medo de correr o risco de ser enganado ou manipulado, além de depender da previsibilidade do comportamento da pessoa ou circunstância na qual se confia, leva as pessoas a adotarem medidas "defensivas" que podem gerar situações desagradáveis. Essa é a típica situação do namorado ciumento ou da mãe que entrega o carro para o filho dirigir pela primeira vez: a incapacidade de prever o que vai acontecer gera um ambiente de insegurança e desconfiabilidade a ponto de deixar o clima ainda mais tenso. Como disse, é compreensível. Afinal, levar um chifre ou bater num poste não é algo bacana pra ninguém.

E chegamos a era da modernidade sem aparentemente termos resolvido esse impasse. Ainda precisamos mostrar a identidade para provar que somos quem somos, precisamos assinar toneladas de documentos todo ano a fim de sermos processados caso não cumpramos com nossas responsabilidades e precisamos, sim, do cartão de crédito. Os gerentes há muito não caem no papo do "vou alí e volto já". A confiança é virtude muito subjetiva e, por isso, não pode ser medida. É preciso acreditar naquilo que se confia para se poder confiar verdadeiramente, e isso torna a confiança um conceito intrínseco. Ou seja, quem confia, confia e ponto. Sem perguntas ou negociações. Não é uma questão de preceitos, mas sim de valores. E tem até um aforisma
regionalista que diz que a confiança é como um cristal: a gente coloca no pedestal e espera que ninguém vá lá e quebre. Para os mais seguros, não é uma questão de quem vai ousar quebrar o seu cristal; é uma questão de em qual pedestal você está colocando ele.








Post Scriptum 1: Falando em aforismas... "Devo, não nego. Deus te pague em dobro".

Post Scriptum 2: Não seja babaca. Pegue seu cartão de crédito e compre já um pedestal de futuro. Nunca se sabe quando algum estabanado vai passar por perto...


quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Grave greve

Historicamente, principalmente após a regulamentação do trabalho e dos direitos trabalhistas, a classe operária passou a contar com várias ferramentas úteis na defesa de seus ideais. A organização em sindicatos, por exemplo - ao contrário dos conselhos, que têm a função apenas de fiscalizar e regulamentar o exercício correto e pleno das profissões -, é uma forma de proteger a classe trabalhadora e evitar que determinadas medidas venham a interferir lesivamente no processo trabalhista. Ainda, o trabalhador em si dispõe de outras formas não-representativas de reivindicação e uma delas anda muito em alta ultimamente: a greve. Esta consiste basicamente na paralisação coletiva e voluntária de qualquer serviço prestado, realizada pelos executores desse serviço que visam a obtenção de algum benefício como aumento salarial, melhores condições de trabalho e vigência de direitos trabalhistas. É um ato geralmente acompanhado por manifestações públicas de protesto e, às vezes, represálias.

Contudo, a greve não consiste um ato proibido. Está regulamentada e legitimada pela Constituição, dando a todo e qualquer trabalhador o direito de se usar dela para defender seus interesses. Isso acontece quase sempre quando não ocorre um consenso sobre algum ponto da relação existente entre empregador e empregado. O empregado - trabalhador -, sentindo-se lesado, faz uso da greve como forma de persuadir o empregador a acatar suas exigências. É basicamente assim em qualquer tipo de manifestação.

Então a greve é isso: é brigar pelo que se tem de direito. E todo mundo tem direito. Professores, metalúrgicos, policiais, motoristas de ônibus, operadores de telemarketing, militares, entregadores de pizza, recepcionistas, ASG's, bombeiros, atores, porteiros, salva-vidas, cozinheiros, cabelereiros, alfaiates e um sem-fim de outras ocupações. Até namorados entram em greve hoje em dia. E é compreensível, por exemplo, que professores parem de dar aula para brigar por uma educação mais digna, sei lá. Motoristas de ônibus podem parar sem um prejuízo muito grande ou duradouro para a sociedade só porque o salário no fim do mês não tá bacana. As caminhadas decorrentes disso, inclusive, são bem vistas pelos cardiologistas. Metalúrgicos podem deixar de fabricar mais um carro do ano enquanto as condições de trabalho não forem satisfatórias. O namorado pode sim fazer greve de beijo, cinema e motel por motivo de abandono e esquecimento. Ninguém vai perder a vida se tiver que ficar sem uma aula, andar um pouco a pé ou demorar mais pra ganhar um convite para sair. Nesse ponto, as greves não promovem grandes maleficências.

Mas tem uma coisa que não é tolerável. Todo mundo tá sabendo que a saúde anda parada ultimamente. Motivo: greve dos servidores. Certo, certo. Greve. Nada contra a greve, a luta pelo salário mais digno e pelas condições de trabalho decentes. Não é nenhum mistério pra ninguém que o médico ganha uma mixaria e que é obrigado a fazer neurocirurgia na mesa do consultório com faca de cozinha enquanto falta dipirona no armário. Mas uma coisa que não pode haver de maneira alguma é negligenciar o atendimento de um enfermo que precisa de cuidados por causa de um capricho que envolve causas tipicamente burocráticas. Existem maneiras de se reivindicar o que é pretendido, inclusive de aderir a uma potencial greve, sem lesar os ditâmes éticos dessa profissão.

E argumentar em favor disso é fácil. Tá escrito no Código de Ética Médica (Resolução CFM
1.246/1988), no capítulo I, artigo 3º: a fim de que possa exercer a medicina com honra e dignitude, o médico deve ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa. Logo, é dever do Estado prover o médico ou qualquer outro profissional de saúde com condições aceitáveis para que o serviço seja prestado de modo satisfatório. Caso isso não ocorra, reserva-se ao profissional o direito de brigar em prol disso, quer seja com greves, quer seja com a medida que for. Aí você pensa: "Então não tem nada de errado em o médico deixar de prestar o serviço por causa de suas reivindicações?", certo? Errado! O mesmo Código de Ética diz, no capítulo II, artigo 29: é vedado ao médico praticar qualquer ato que, por imperícia, imprudência ou negligência, possa repercutir em dano ao paciente. Logo, negligenciar o paciente sob qualquer forma que seja é passível de punição por crime ético, sem falar nas repercussões judiciais que isso pode implicar. Mas aí você pensa de novo: "Se é assim, como resolver o problema da greve sem deixar que a sociedade seja penalizada por isso?". Pois é, como?

Esse é o ponto para o qual converge a maioria dos conflitos ideológicos envolvendo esse tema. Há quem diga que a paralisação não pode ser total. Há outros que apregoam a diminuição da carga horária efetiva durante o período de greve. Mas a questão é que ninguém vai gostar de ter um infarto sabendo que os servidores da saúde estão parados. E de certa forma isso é algo que vai contra o senso-comum daquelas pessoas com excesso de bondade no coração. Tem médico também que não tem coragem de parar, assim como tem aqueles que nem pensam duas vezes antes de fazê-lo. É um tema que certamente divide até os mais entendidos no assunto. Mas uma coisa é certa: ninguém, médico ou não, ia gostar de saber que um filho ou mãe morreu porque o médico do serviço não apareceu pra trabalhar por conta da greve. Pense nisso antes de sair por aí dizendo que "se tem mesmo que brigar pelos direitos haja o que houver". O "houver", um dia, pode ser com você, amigo.








Post Scriptum: Sem nenhum forma de preconceito ou austentação, falei mais incisivamente da medicina por ser uma área com a qual tenho íntimo contato. Só.


sábado, 1 de novembro de 2008

O Brasil precisa é de educação

Isso mesmo: educação. Somos o país do futebol, do samba, da feijoada, do carnaval, das praias, das bundas, das mulatas e das proporções continentais, mas também um país repleto de pessoas mal-educadas em demasia. E não me refiro apenas aos elevados e cada vez mais crescentes índices de analfabetismo. Tem muito Ph.D por aí extremamente mal-educado e isso é um problema muito, mas muito preocupante. Tal defasagem educacional relaciona-se intimamente com grandes problemas tidos como de "terceiro mundo", como as desigualdades sociais, a corrupção, a violência e uma série de outros tão maciçamente divulgados mídia afora. Mas nós não ligamos muito pra isso, né?! Não fomos educados para tal, é verdade.

E começando pelo básico percebemos de cara a roubada na qual nos metemos. Dentre os países da América Latina, segundo dados do IBGE, o Brasil possui o segundo maior índice de analfabetismo (11,1%), estando atrás apenas da Bolívia, que possui um índice de 11,7%. E olhe que não é uma distância lá tão grande. Outro dado interessante é que países como Equador, Chile e Paraguai possuem índices bem mais aceitáveis (7,0%, 3,5% e 5,6%, respectivamente), muito embora não tenham lá toda essa imponência aos olhos do mundo. Esse fenômeno reflete perfeitamente toda a alienação que a falta de julgamento e de um senso crítico, proporcionados por processo educacional sólido, podem acarretar. Considerando a realidade dos nossos governantes, por exemplo, pode-se até considerar isso como aceitável: tão mais fácil será enganar um povo quanto mais ignorante ele for. E isto é algo que a galera da política sabe de cor.

Além disso, criancinha que não vai à escola acaba sendo vítima do próprio destino. Integrante de família humilde na grande maioria, as crianças que abandonam a escola terminam por ter que integrar a renda de casa de alguma maneira, tornando-se escravas do trabalho infantil e da marginalidade. Aí vem os problemas com drogas, tráfico, criminalidade. Sobrevivendo a tudo isso, o adulto no qual essa criança se torna coloca mais criancinhas no mundo que terão destino similar ao seu, perpetuando o problema e fechando o ciclo. Enquanto isso, sobram cadeiras vazias nas salas de aula e professores ensinando para as paredes, literalmente.

Ainda, como dito anteriormente, o problema com o ensino não é o único que preocupa. A esmagadora maioria dos brasileiros são pessoas de péssima educação. E nem precisa argumentar muito, basta dizer algo simples. Por exemplo, ninguém mais respeita os idosos. Ninguém levanta no ônibus pra dar lugar a uma pessoa que provavelmente sofre de reumatismo e osteoporose. Quase não se ouve mais "por favor", "obrigado", "licença". Estamos declaradamente na era da abolição dos favores gratuitos, aqueles que a Igreja se refere na máxima "fazer o bem sem olhar a quem". Importamo-nos mais com furar a fila ao invés de dar a vez e nos orgulhamos de se referir a isso como "o jeitinho brasileiro". Vê? É tão nosso que já damos até nome carinhoso, fazendo questão de atestar a posse. "Brasileiro".

Isso sem falar no trânsito, que é o local onde a falta de educação mais aflora e impera. Ninguém dá a vez, ninguém deixa o outro passar, ninguém sabe usar a buzina com parcimônia. Todo mundo quer chegar primeiro e achar que, para isso, pode ser o dono da rua. Pedestre que se foda, juntamente com as velhinhas que tentam atravessar na faixa, os cegos, os deficientes e todos aqueles que carecem de seus próprios direitos enquanto cidadão. Porque o bacana mesmo é encher a cara até a tampa de cerveja, pegar o carro, matar três numa parada de ônibus e não ir pra cadeia porque painho é desembargador e não deu a educação que devia ter dado. Isso porque nem é bom falar sobre o desprezo sofrido por quem trabalha honestamente, tem que agüentar tudo pra poder colocar comida em casa e, de sorte (ou azar, sei lá), sempre acaba sendo atropelado por um bêbado quando está na parada esperando o ônibus para ir trabalhar.

Mas não tem que ser sempre assim. Talvez se fôssemos um pouco menos oligofrênicos e saíssemos no meio da rua quebrando o maior pau a coisa mudasse um pouco de cenário. Enquanto esse dia lindo não chega, podemos ir conduzindo nossas próprias revoluções particulares. Podemos lutar por um país melhor sim e não ficar só reclamando e dizendo que tá tudo uma merda sem fazer nada. O analfabetismo é um problema que está um pouco acima de nós e não é provável que "escolher seus líderes conscientemente" vá resolver alguma coisa. Temos mais é que brigar pra que o negócio funcione ao nosso modo, estimulando a educação dos pequenos, disseminando a leitura ao quer que se vá, a boa arte, a música, poesia e qualquer coisa que não nos transforme em marionetes. Isso já é um começo. Quanto a o outro problema da educação, esse sim cabe a nós mudar. E a mudança pode começar dentro de cada um, por mais que só você esteja aparentemente se esforçando, o que provavelmente ocorrerá. Tem que dar a vez a todo mundo, principalmente aos rapazes e garotas da terceira idade, tem que parar de gritar, de furar a fila, de querer "dar o migué". Isso sem esquecer de pedir licença, agradecer, pedir por favor e "dar mais do que receber", como já dizia o grande poeta e letrista Pe. Marcelo Rossi.

E não se bitole: um palavrãozinho de vez em quando num faz mal a ninguém.


[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...