Foi quando, então, chegou 2004. Dessa vez, sim, tudo era novo mesmo. TUDO! As aulas, os professores, os ambientes, os concorrentes e, mais importante de tudo, o garotinho. Ah, o garotinho... ele agora agia de um modo que ele ainda não entendia. Por vezes, não reconhecia a si próprio. Desistiu de tentar entender e passou apenas a agir. E assim foi indo...
Com um afinco nunca antes visto nem mesmo nos idos do colégio, o garotinho sentava todo dia na mesma cadeira, à mesma hora, com o mesmo propósito: aprender. Ligações químicas, relatividade, hidrostática, funções, PA, ciclos biogeoquímicos, citologia, capitalismo, gramática, reações orgânicas... tudo era motivo, tudo era obrigatório. E assim ele foi, assiduamente durante todo o ano. Felicitava-se quando via seu nome nas concorridas listas de simulados. Tá... às vezes o nome estava lá embaixo... mas estava. Pelo menos estava.
E, quando menos se esperou, lá vinha ele: o vestibular. Sabe quando você entra numa briga com o peito estufado e tem plena certeza que vai ganhar? Pronto. De tudo isso, só faltava o "plena". Porque peito estufado ele tinha e sabia brigar muito bem. Foram quatro dias tensos, muito mais tensos que os anteriores, por causa de uma única coisinha que incomodava: dessa vez, ele poderia perder todo um ano de mesma-cadeira-mesmo-horário-mesmo-motivo. Cada palavra que o garotinho lia, lia com o desejo que fosse pela última vez. Apesar do sol na cara e do suor na testa, proporcionados pela ótima localização da cadeira nos dias de prova, ele não fraquejava. Sequer se importava. E foi. Os quatros dias do que talvez fosse o resto da vida dele tinham se passado.
Agora vem a parte engraçada. Depois disso tudo, de toda a disciplina, de todo o esforço, de toda a luta, o que era de se esperar? A glória, não?! Pois é. A glória. Mas glória não veio, infelizmente. Frustração grande para o garotinho. E sua frustração se transformou em raiva quando ele começou a ver que Glória tinha visitado certas pessoas pequenas demais de espírito. E nada podia ser feito a não ser calar, ressentir, resignar. A marca do murro na porta do guarda-roupa está lá até hoje, lembrando ao garotinho que a vida tem lá dessas coisas. Ele olha pra ela de vez em quando, nos momentos difíceis.
Como bem se pôde notar, 2004 terminou de um forma um tanto quanto modorrenta. 2005 começava e o garotinho ainda tinha aquela ira no peito com sabe Deus lá o que. Ira essa que, a princípio, tornara-o levemente desleixado. As dormidas vespertinas, coisa totalmente impossível de ocorrer antes, ficaram cada vez mais freqüentes agora. As idas e vindas da aula eram solitárias. Seu aspecto era de um psicopata que trama um plano para matar todo mundo. Só aspecto, devo acrescentar. E com o decorrer dos primeiros meses, vendo certas pessoas de novo, ouvindo certas coisas de novo, ele fez crescer sua ira por lembrar-se de que poderia muito bem estar longe dalí. As pessoas pequenas de espírito que ainda restavam lhe causavam raiva apenas por entrarem em seu campo de visão. Pode crer... ele era um revoltado mesmo.
Ah, mas essa revolta tinha os dias contados. O ano estava se passando de forma ainda vagarosa. O garotinho ainda andava levemente desorientado. Junho estava chegando e com ele vinha o inverno. E com o inverno vinha outra coisa que fez mudar tudo, fez lavar tudo: as chuvas. É... as chuvas...
[continua no próximo - e decisivo - episódio]