É uma das maiores razões de sofrimento. É ela que nos causa angústia, calafrio, inquietação. Não precisamos necessariamente dela para sermos felizes, mas só damos o devido valor às coisas quando ela está por perto. Em algum momento da vida, ela se fará incisivamente presente, nos esmagando com toda aquela sensação que ela, por si só, causa. Mas como todas as outras coisas que estão por aí, ela vem pra nos ensinar algo, pra nos lembrar que estamos aqui apenas de passagem. É extremamente provável que você a conheça. De fato, você deve tê-la consigo agora, nesse exato momento. Porque ela não costuma nos abandonar assim, tão facilmente. E basta parar pra pensar um pouquinho pra sentir o peso da sua mão no nosso ombro. Pensamento é o seu chamado; nostalgia, sua melhor amiga. E não venha me dizer que você não sabe do que eu estou falando. Você também sente saudade de vez em quando. É, meu amigo... saudade.
Saudade é aquela coisa estranha que esquenta nosso peito quando a gente pára e lembra dos nossos tempos de escola, por exemplo. De como era bom comer aquela coxinha cheia de óleo e gordura trans lá da cantina. De como a gente pensava que o simples fato de ter tirado um cinco na prova de matemática causaria o fim dos tempos. De ser expulso de sala tantas vezes a ponto da coordenadora tornar-se nossa melhor amiga e confidente. De assistir aulas ministradas com giz no quadro negro. Negro que, na verdade, era verde. Nunca entendi porque chamavam de "quadro negro". Ou pior: lousa. E esses momentos nos vêm à mente causando aquilo que todo mundo chama de saudade. Você pode até ter raiva ou arrependimento de qualquer coisa da escola ou da sua infância, mas nunca vai lembrá-los sem aquela nostalgia por demais aprazível, que nos faz querer que tudo volte. Essa é a saudade que, de vez em quando, nos faz querer chorar e rir ao mesmo tempo, feito um abestalhado. Essa é a saudade que eu chamo de "risonha".
Aí você lembra logo daquele seu amigo de infância que, no auge da amizade, teve que se mudar e ir morar longe. O cara que inventou a distância não sabia o que era saudade. Você já deve ter escutando alguém dizer isso por aí. E, no fim das contas, é bem verdade. Talvez, se pudéssemos aparatar do outro lado do mundo apenas pela vontade, essa frase perdesse o sentido. Mas a verdade é que ela é bem verdadeira. Por mais que exista e-mail, telefone, carta, a gente quer mesmo é ver, abraçar, porque o ser humano só acredita mesmo naquele que ele vê e toca. Imaginar que, lá longe, tá tudo bem não é suficiente. Nós fazemos questão de ter certeza. Essa, por sua vez, é a saudade que nos corrói sem nos matar, sem nos deprimir, sem nos deixar pra baixo. Vem em ciclos intermitentes, quando nossa cabeça está mais vazia e desocupada que o normal, e se mascara de felicidade quando nosso amigo volta pra nos visitar. Essa, eu chamo de saudade "normal".
Até aqui, nenhum problema. Lembrar do passado com nostalgia e dos amigos distantes com resignação é bastante comum em qualquer pessoa psiquicamente saudável. As lágrimas nunca são de tristeza. Elas vêm como forma de um sorriso tímido e uma vontade imensa de esbravejar para o mundo toda aquela coisa que cresce no peito e não tem pra onde sair. E a gente ri. Rir é algo que, estando onde for, torna-se algo explicativo. É um sinal universal.
O problema é aquela saudade que tende exponencialmente ao infinito, que comprime por todos os lados. Que nos acorda no outro dia com tapas pesados na cara, forçando-nos a encarar uma manhã cinza, tenebrosa e modorrenta. Dentre todas as saudades, é essa a única que nos faz adoecer, que produz lágrimas de pura tristeza, sem sorrisos, sem nostalgia, sem esperança. É ela que nos força a não querer fazer mais nada, permanecendo nós reclusos no nosso próprio mundo com portas e janelas fechadas pra tudo. Até mesmo para os raios de sol. Porque ela não tem outro propósito que não seja crescer e crescer. Dizem que, com o tempo, ela vai embora. Mas não é verdade. Ela sempre chega pra ficar. As pessoas que se acostumam com ela, com o tempo. Tempo esse que, nessas horas, funciona como fármaco mais apropriado. Essa é uma saudade conhecida por poucos, bem poucos. Talvez você não tenha se deparado com ela... ainda. Na saudade risonha, a gente olha pra tudo e pensa "valeu a pena"; na normal, a gente diz "volte logo". Nessa de agora, a gente não fala nada. Nada. E quer permanecer assim por tempo indeterminado. Quem já perdeu alguém muito querido sabe do que eu tô falando. Essa saudade, pra mim, não tem nome. Não saberia como chamá-la. Simplesmente não saberia.
A pergunta que nos resta é: o que fazer? Dou um doce pra quem me arranjar uma resposta.
Post Scriptum: Lili, Pastel e Leilinha... eu estarei onde sempre estive esses anos todos: aqui.