terça-feira, 31 de julho de 2007

Normal

É engraçado como, por vezes, certas perguntas nos pegam desprecavidos. Hoje, por exemplo, estava andando com uma amiga no meio da rua quando, de repente, ela olha pra mim e diz: "Sempre quis saber de onde vem a energia que faz funcionar os semáforos. De onde vem? Você sabe?". Eu, no auge do meu analfabetismo funcional, calei. Aliás, apenas disse que nunca tinha parado pra pensar naquilo, o que tornava a indagação deveras interessante. Mas isso foi já perto do fim da tarde, quando eu voltava depressivamente para casa, imaginando que ainda estava de férias. Agora eu tenho a farmacologia e a semiologia como namoradas. Ê vida...

Retornando àquela morosa manhã de segunda, estava eu, logo às 7 da matina, sentado numa cadeira lá pelo meio da sala, escutando um velhinho baixinho e de aparência frágil contar histórias sobre a cirurgia e num-sei-o-que-mais-lá. E ele já começou assim, ó: "Quem mais apto que um velho para contar histórias?". Isso arrancou vários sorrisos da sala semi-sonâmbula. E começou a falar sobre a dificuldade da sistemática cirúrgica de antigamente e blá-blá-blá. E, então, falou a primeira de algumas coisas que iriam me intrigar pelo resto da manhã. Ao falar sobre um grande e renomado cirurgião do século XVIII, chamado Ambroise Paré, o professor soltou uma máxima deste que dizia: "Eu não faço nada. Deus, sim." Perdi uns 15 minutos da explicação posterior apenas refletindo sobre isso. E a aula terminou. Lá vamos nós para a próxima.

Essa outra começou ainda mais interessante. Pra início de conversa, cheguei atrasado. Ter que desfilar na frente de todo mundo enquanto o professor fala é meio estranho. Sentei-me e, após um breve período de desorientação, percebi que o professor falava sobre várias coisas legais a respeito de medicina, médico e afins. Coisas legais mesmo, daquelas imprescindíveis a qualquer médico que se preze. Mas aí ele parou de repente. Olhou pra uma garota que estava na primeira cadeira e, com o dedo indicador a poucos centímetros da sua fronte, como que acusando-a de algo, indagou sem pausa alguma: "Qual o motivo que te trouxe para a medicina?". Essa pergunta já me perseguia antes mesmo d'eu entrar na faculdade. E não haveria de ser diferente com ninguém naquela sala. Ainda assim, mesmo depois de escutar aquelas respostas bem originais, do tipo " aqui pra ajudar o próximo" ou " aqui porque a medicina é linda" ou até mesmo aquela mais atrevida, que diz " aqui pelo dinheiro mesmo, porr*", eu cheguei a conclusão de que eu não sei a resposta para essa pergunta. Simplesmente não sei. E o pior: talvez só saiba depois que tenha terminado o curso. Ou lá pra frente, quando tiver uns vinte ou trinta anos de profissão. Na verdade, talvez eu morra sem saber.

Talvez eu chegue aos 50, sentando naquela cadeirinha atrás de uma mesa chique, atendendo pessoas de graça. Ou não. Mais uns vinte anos pra frente, talvez eu esteja numa sala de aula sendo o velhinho baixinho e de aparência frágil a contar histórias pros alunos. O importante é o seguinte: não saber o que fazer da vida de vez em quando é a coisa mais normal do mundo. Se você está no ápice dos seus 18, 19 anos e não sabe o que vai ser da vida, parabéns. Você é uma pessoa normal. Nessa situação, mais normal impossível, eu diria. Por outro lado, se você é apaixonado por seu melhor amigo e também não sabe pra onde vai, palmas. Bem normal, você. Deve ter um Q.I. de 100 ou mais. Quer mais normal que isso? Se você é daqueles que, por ter lá seus "problemas demais", não sabe pra onde ir... bem, você é normal. E por aí vai, em qualquer situação que seja. É como já dizia o bom e velho Pedro Bial... "Não se preocupe com o futuro... ou, então, preocupe-se se quiser, mas saiba que preocupação é tão eficaz quanto mascar chiclete pra tentar resolver uma equação de álgebra."

E depois disso tudo, ainda não me vem nenhuma resposta coerente para aquela pergunta do professor. "Eu não faço nada. Deus, sim." Vai ver ele me colocou aqui pra não saber mesmo. Ele escreve certos por linhas tortas, ?! Vai ver, ele quer que ninguém saiba, embora todos pensem que sabem e digam que têm vocação e tarará. Pobres coitados. É para achar a resposta para essa - e outras - pergunta que eu estou aqui. Perguntas essas que a gente nunca sabe. Perguntas que você nunca, não sabe nunca...


[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...