segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Wet poem



Everybody wants happiness
Nobody
wants pain
But you can't have a rainbow
Without a little rain


sábado, 14 de agosto de 2010

Tangencialidade

Liara estava grávida.

O pai da criança, que, no momento, não era necessariamente o cônjuge de Liara, chamava-se Válter. Válter era um homem de meia idade, meia estatura e peso médio dentro dos padrões medianos para pessoas de sua idade e estatura, que trabalhava no ramo da construção civil, mais especificamente no ramo das roldanas, mais especificamente ainda no ramo dos lubrificantes que se usavam nas roldanas usadas na construção civil. Válter tinha a função básica de fiscalizar se a consistência do lubrificante estava adequada para que o mesmo operasse como tal, ou seja, se o lubrificante parecia a agia mesmo como um lubrificante. Por isso, não incomum, chegava em casa quase todo dia com as mãos sujas de graxa, motivo pelo qual Liara, àquela época, aborrecia-se com freqüência. Eram tubos e tubos de detergente toda semana, sem falar nas toalhas brancas que se tornavam encardidas somente para que Válter tivesse suas mãos limpas de novo. Fazia isso porque sabia, logicamente, que a substância anfifílica contida no detergente - metade polar, metade apolar - seria capaz de, ligando-se à graxa - notadamente apolar -, ser carreada das suas mãos pela água - substância mais totalmente cem por cento polar da natureza -, e, com isso, se livrar de uma vez por todas da graxa-de-todo-dia. O que ele não sabia era que, com tanto detergente indo ralo abaixo, a caixa de godura rapidamente tornara-se inapta a exercer adequadamente sua função de caixa de gordura. Dentro em pouco, baratas e mais baratas, advindas da caixa de gordura que, a uma altura dessa, estava completamente cheia de pedras de sabão (importante lembrar aqui que o nome "caixa de gordura" faz referência ao fato de que a gordura que desce pelo ralo, teoricamente, juntando-se com o detergente ou sabão da lavagem, precipitará numa pedra e ficará contida no retináculo destinado a esse fim, ou seja, a caixa de gordura, motivo pelo qual não se deve supor que estas pedras são de gordura, mas sim, de sabão), começavam a sair ralo afora, tomando conta de toda a cozinha, para nojo, desgosto e, principalmente, raiva de Liara. Com o tempo e a reincidência, Liara aprendeu a não só não ter medo das baratas, como a persegui-las e matá-las peremptoriamente. As baratas, dotadas de pêlos (com acento pra não confundir com a preposição) sensoriais no ápice de suas antenas, prevendo o perigo iminente e eminente, tentavam por todas as vias salvar suas já breves vidas, quase sempre com relativo insucesso, uma vez que Liara era uma caçadora voraz e destemida. Por conta disso, o chão da cozinha havia se tornado um mosaico de manchas amarelo-marrom-esverdeadas contra um fundo branco, resultado das constantes mortes por esmagamento às quais esses pitorescos insetos estavam submetidos, levando a crer que o sangue das baratas seria amarelo-marrom-esverdeado. Ledo engano. A linfa que circula no corpo desse insetos - e que tem o mesmo papel que o sangue nos mamíferos - é incolor. O que, na verdade, dá aquela coloração amarelo-marrom-esverdeada à barata pós-esmagamento é a maceração de uma estrutura chamada corpo de gordura, localizada no abdome, que tem a função óbvia de armazenar lipídios de reserva energética, lembrando vagamente a caixa de gordura mencionada anteriormente. Mas foi Liara que acabou depletando sua reserva de energia e paciência com isso tudo. O estresse diário acabou por incorrer em picos hipertensivos, agravando a sua pré-eclâmpsia, morbidade obstétrica que pode por em risco a vitalidade fetal e materna. Com isso, sentindo dores abdmoniais, tendo vômitos incoercíveis e se queixando de escotomas visuais, Liara foi ao consultório médico essa manhã para avaliação de urgência. Ah, é... o médico.

Pois pronto! Liara estava grávida e, ainda deitada na mesa de exame, recebeu a notícia de que seu filho ia nascer. A bolsa havia rompido no auge da trigésima oitava semana de uma gravidez cheia de lubrificantes, detergentes, caixas de gordura e baratas. Muitas baratas.








A tangencialidade é um tipo de distúrbio de associação em que o pensamento e a fala divergem ou se desviam do tópico do momento, de modo que parecem desconexos ou irrelevantes; se fre­qüentemente repetida (e, em especial, se o locutor não volta espontaneamente ao tópico), a tangencialidade é denominada fala difusa, e o seu resultado final é a destruição do valor da fala como meio efetivo de comunicação com os outros.


Post Scriptum 1: O nome desse post deveria ter sido Discovery Channel.

Post Scriptum 2: Por pouco não rolou uma fala difusa aí...


sábado, 7 de agosto de 2010

Colhendo o que se planta

"A gente colhe o que a gente planta". Vai dizer que você nunca escutou isso da sua mãe? Toda vez que escutava a minha dizendo sempre me imaginava um jardineiro, colhendo flores vermelhas à beira de um jardim qualquer. Ah, a inocência das crianças. Mas aí, a medida que o tempo foi passando, essa frase foi começando a fazer o sentido que minha mãe queria que se fizesse desde o início, influindo diretamente no meu modo de agir. E, creio, não foi assim só comigo. É algo deveras difundido que, tal qual o jardineiro da minha imaginação, a gente realmente colhe o que a gente, um dia, plantou.

Isso, como muitas outras coisas da vida, é resultado de um encadeamento inato e natural dos acontecimentos ao nosso redor. Traduzindo: o que se faz retorna, de alguma forma, para quem o fez, qualquer que seja a ação feita. Nesse ponto, a vida foi bem justa, mostrando que o que nos acontece é fruto - e, por isso, colhido - direto das nossas atitudes. Demora-se um tempo pra se perceber, lógico, porque, por vezes, o ciclo depende de muitas variáveis para ser completo, precisando de acontecimentos interdependentes entre si. Daí o porquê de muitas pessoas não acreditarem realmente que o que elas fazem vai findar retornando para elas... falta-lhes atenção ou paciência para esperar, para deixar que a vida faça sua parte, e isso, como já dito, pode levar tempo. Assim como a flor que, depois de plantada, leva tempo para florescer.

E interessante é quando se percebe que as coisas estão acontecendo de volta conosco. Para as pessoas essencialmente boas, isso é muito nítido. De repente, a vida começa a dar certo, as coisas se encaixam, tudo parece maravilhoso. E, em grande parte das vezes, vem num momento que tudo parece dar errado, como se fosse obra do divino. Na verdade, no fundo, nada mais foi do que obra da própria pessoa, e ela, em euforia, não percebe que é o motivo da própria felicidade. E as boas pessoas, aquelas que perseveram na bondade desmedida, são grandes merecedoras das coisas boas que lhes retornam, uma vez que, muitas vezes, em sua imensa bondade, acabam passando por maus bocados em razão da pureza de suas ações. E não há quem não se alegre ao ver coisas boas acontecendo com boas pessoas. Para os não tão bondosos assim, a coisa funciona basicamente do mesmo jeito, mas com um plus. O que retorna, retorna com maior intensidade, em um pior momento e da pior forma que possa acontecer - é a tal da lei de Murphy. E de novo, lógico, isso é o resultado claro e previsível daquilo que se opera na sua mente e coração. Nesses casos, quando a pessoa ainda tem um pouco de sensatez e o dano não é permanente, há a possibilidade de se tirar grandes lições do ocorrido, inclusive podendo mudar o caráter com um breve exame de consciência. Portanto, de um jeito ou de outro, o que você faz é o ponto zero daquilo que lhe ocorrerá num futuro não tão longínqüo.

Por isso, se você é uma pessoa boa e acha que a vida só te passa a perna, não desanime. Sua hora vai chegar, mesmo que se derrame, no caminho, alguma lágrima ou gota de suor. Às vezes nos traímos fazendo coisas que nem são do nosso feitio por achar que a vida é injusta e que "bonzinho só se fode", mas basta dar tempo para que a natureza faça seu papel. Uma coisa leva a outra, que leva a outra, que leva a outra que, enfim, levará a você. Sempre. E também, se você tem malícia no coração, cuidado! Um dia, como também diz minha mãe, a casa cai. E cai daquele jeito: na pior hora e da pior forma, sempre visando o maior dano possível. Daí quando estiver tudo no chão e você olhar em volta vai encontrar apenas olhares dizendo "é, bem que eu avisei". Por isso, pensem várias vezes na hora que aquela velhinha pedir ajuda a você para atravessar a rua. Um dia, com toda certeza do universo, você estará rezando pra que apareça alguém pra atravessar a rua com você.








Post Scriptum 1: Eu escondi esse tempo todo, mas ela acabou descobrindo (droga!)... Juju, foi pra você! [hUAHuahuHAUhauHAUHuahuHAUha].

Post Scriptum 2: Coisa boas, coisas boas, coisas boas...


quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Sobre idas-e-vindas e reviravoltas

Addendum: Peço reiteradas desculpas para aqueles que, contrariando minhas próprias crenças, divertem-se com esse blog. A falta de atualizações corriqueiras jamais foi ou será por motivo de preguiça, astenia ou inapetência literária. A vida tá ficando cada vez mais corrida... mesmo. E, como todo bom mortal, não bastasse o corre-corre, ainda invento de me (re)apaixonar por certas coisas de vez em quando - sobre as quais falarei depois com grande afã -, o que me ocupa mais ainda. Mas, como já dizia o velho aforisma, a gente tarda, mas não falha.




E aproveitando que falaram em aforisma por aí, quem me conhece sabe que lhes gosto muito. Aforisma - que nada mais é do que uma frase curta que condensa um princípio filosófico ou moral, ou, em outras palavras, um dito popular -, pra mim, é que nem cantada de pedreiro: você escuta em todo canto, mas jamais se cansa do efeito que causa. A cantada é sempre impagável, principalmente se ela for daquelas bem bregas e o seu senso de humor, bem bobo. E não podemos esquecer jamais que, apesar de extremamente ridículas, elas são uma arma poderosa nas mãos de alguém com uma lábia perspicaz. Já os aforismas são bem menos engraçados, até mesmo porque não é esse seu objetivo principal. Sua notabilidade vem do fato de que seu sentido vai muito, mas muito além das palavras, dando uma margem infinita para reflexões e interpretações. Quem costuma conversar com os integrantes da "melhor idade" sabe o quanto eles gostam de sintetizar seus aprendizados em aforismas. Aforismas são, pois, um grande sinal de experiência e sabedoria.

E se tem um bom aforisma do qual vale a pena se lembrar nessa hora é aquele que diz que "a vida dá voltas". De cara, parando para pensar mais além, vê-se que dele sobrevêm alguns outros ditos. Se existe um dia da caça e outro do caçador, é porque a vida dá voltas. Se um dia se está por cima e noutro se está por baixo, só pode ser porque a vida dá voltas. Se águas passadas não movem os moinhos, tenha certeza: é a vida dando voltas. Se assim não fosse, ricos jamais ficariam pobres, atletas jamais morreriam de infarto e você, veja só, jamais sobreviveria à primeira desilusão amorosa. Mas, por sorte, a vida dá voltas, sim! Claro que cada volta vai numa velocidade diferente pra cada um e isso é algo que nós só nos damos conta com o tempo... tempo esse necessário para que a volta ocorra. Os velhinhos, a melhor idade de todas, são o que são porque já deram muitas voltas na vida, e em cada volta viram e viveram as mais variadas experiências.

E é engraçado esse negócio de voltas porque, às vezes, vivemos uma mesma situação pela segunda vez, mas ela comporta-se completamente diferente da primeira. Cremos em coisas hoje que serão nossas maiores descrenças amanhã. Ignoramos fatos e pessoas que serão da mais alta prioridade nas próximas voltas que virão. Vamos dando nossas voltas - e é inevitável, com essa ruma de voltas, não imaginar que estejamos numa montanha-russa - e mudando nosso comportamento a medida que elas ocorrem. Vamos moldando nosso caráter, pensamento e emoção baseados no que as voltas nos trazem, quer seja bom ou ruim. O julgamento, aliás, deve transcender o simples "bom ou ruim". O que vem é novo e tudo que é novo merece uma análise mais apurada.

E muita gente ainda não se acostumou com as voltas que a vida dá por puro conservadorismo, típico dos velhinhos. Mas os velhinhos podem, uma vez que já deram quase todas as voltas que podiam. Os não-velhinhos, não. Imaginamos que vamos ter as coisas e pessoas aqui para sempre. Imaginamos que nossos amigos sempre serão nossos vizinhos, que depois do terceiro horário vai tocar pro lanche, que as notas serão sempre boas, que o dinheiro nunca acaba, que a saúde é infinita, que a mentira não existe e que o mundo é feito de nuvens de algodão. Vamos achando que aquela pessoa, dentre as bilhões de pessoas que habitam o mundo, é a nossa escolhida, a única, pra todo o sempre. Imaginamos viver todos os nossos sonhos como se eles fossem ligados e desligados tal qual um interruptor de luz. Nos piores momentos cremos que a angústia será infinita e que viveremos no fundo do poço pro resto dos tempos. Mas a vida dá voltas, amigo velho. Quer você queira, quer não. Se quiser, melhor, porque as voltas virão naturalmente e serão mais aprazíveis. Se não quiser, paciência... a engrenagem não pára de rodar.

Lembre-se disso quando estiver muito feliz ou muito triste. Porque aquele momento só acontecerá de novo na próxima volta, isso se acontecer. Porque nenhuma dor, saudade, pensamento, emoção, dúvida, inquietação, tranqüilidade ou alegria será igual àquela da volta anterior. Experimente e veja. E sempre se pergunte o que a próxima volta trará de novo pra você.








Post Scriptum: Ê, vidão...


[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...