Olhava pela janela do seu próprio quarto. Via um mundo incomum e clichê ao mesmo tempo. Observava bem, como agora lhe era de costume. Gostava dessa parte analítica da vida; era daqueles que falavam demais, às vezes, embora tentasse sempre calar a boca e aguçar a audição. Vinha aprendendo a ser assim ultimamente. Gostava disso.
Pela janela, ele via um quadro repleto de minúcias e nuances que, em outra ocasião, seriam impossíveis de serem contempladas com tanta verossimilhança. Via, de cara, um grande pátio, que servia de estacionamento para muitos carros. Mas não havia muitos carros lá agora, e sim algumas crianças jogando bola. Uma garotinha estava tentando atrair um gatinho para perto de si, conforme notara. O gatinho relutava. Próximo àquela conjuntura toda, era perceptível três mulheres, provavelmente mães, conversando profusamente, uma conversa notadamente agradável. Mas não se ouvia som algum daquela conversa, apesar da pronunciada satisfação.
Girando um pouco a cabeça para o leste, via um casal de namorados caminhando despretensiosamente pela calçada. Talvez estivessem trocando palavras afáveis naquele momento, mas, de novo, nenhum som era audível advindo aquela conversa. E, mais estranho de tudo, embora eles estivessem em pleno deslocamento físico, apresentavam-se impávidos, imóveis, incólumes. No meio da rua, dois carros - um vermelho, de aparência envelhecida, e outro cinza-prateado - cruzavam-se, seus motoristas bem vigilantes no caminho que seguiam. Mas o carros também estavam vítreos, embora o aspecto "borrado" das calotas denunciasse sua nítida aceleração. Nada disso causava preocupação.
Olhou para o céu. Via cúmulos-ninbus bem distantes, naquele aspecto típico de "areia de praia ao vento". Achava aquilo bonito, ainda mais agora que estavam alí feito uma fotografia. Tiraria várias se pudesse. Mais ao horizonte, em contraste ao pôr-do-sol iminente, via um céu vermelho-fogo, com alguns estratos dando realmente a impressão de uma chama à brisa. Contemplou aquilo por vários minutos. Nunca tinha visto daquele jeito. Bem no alto, percebia o discreto vislumbre de uma lua em quarto-crescente, já mostrando-se ao fim do dia que se aproximava. Retornando ao plano terreno, viu uma planta com rosas vermelhas exuberantes, uma delas enamorada por um belo colibri de tonalidade azul-metal. Suas asas eram, agora, um borrão azul, um orbital, e ele, de certa forma, parecia pender do céu por um fio de nailon invisível. Notava também que as folhas não farfalhavam como de costume. Era fim de tarde e nem mesmo a brisa soprava. Mas não achava estranheza alguma naquilo tudo. De algum modo, aquilo o acalmava, confortava, serenizava. Lembrou de um poema que lera certa vez. E depois, uma música. "De vez em quando, o mundo pede um pouco mais de calma", pensou. Calma. Fechou os olhos por alguns segundos e, ao abrí-los, tudo estava lá, do mesmo jeito.
Refez o caminho desde o início com os olhos novamente. Por fim, estendeu o braço a frente do corpo, para fora da janela, como quem mede uma jarda. Virou a mão para si e, roçando o primeiro dedo no terceiro, produziu um estalo característico, bem audível para ele. Subitamente, tudo ganhara movimento de novo: a bola caiu, as mulheres gargalharam, os namorados se abraçaram, os carros desapareceram. As nuvens, agora, efetuavam sutil translação. O colibri mudara de rosa. Algumas folhas caíam vagarosamente, enquanto outras, ainda presas, crirquilhavam. Sentiu o vento ressoar na sua face. Trouxe, então, o braço para dentro da janela e, nessa hora, percebeu que a garotinha, frustrada na tentativa de agarrar o pequeno felino, dirigia-lhe o olhar. Depois de um breve momento encarando-a, ela sorriu.
Percebeu, pois, que trouxera tudo ao normal de novo. Tudo.
Post Scriptum: Vocês não imaginam o que algumas xícaras de um bom café fazem com a cabeça de um semi-escritor durante a madrugada...
Pela janela, ele via um quadro repleto de minúcias e nuances que, em outra ocasião, seriam impossíveis de serem contempladas com tanta verossimilhança. Via, de cara, um grande pátio, que servia de estacionamento para muitos carros. Mas não havia muitos carros lá agora, e sim algumas crianças jogando bola. Uma garotinha estava tentando atrair um gatinho para perto de si, conforme notara. O gatinho relutava. Próximo àquela conjuntura toda, era perceptível três mulheres, provavelmente mães, conversando profusamente, uma conversa notadamente agradável. Mas não se ouvia som algum daquela conversa, apesar da pronunciada satisfação.
Girando um pouco a cabeça para o leste, via um casal de namorados caminhando despretensiosamente pela calçada. Talvez estivessem trocando palavras afáveis naquele momento, mas, de novo, nenhum som era audível advindo aquela conversa. E, mais estranho de tudo, embora eles estivessem em pleno deslocamento físico, apresentavam-se impávidos, imóveis, incólumes. No meio da rua, dois carros - um vermelho, de aparência envelhecida, e outro cinza-prateado - cruzavam-se, seus motoristas bem vigilantes no caminho que seguiam. Mas o carros também estavam vítreos, embora o aspecto "borrado" das calotas denunciasse sua nítida aceleração. Nada disso causava preocupação.
Olhou para o céu. Via cúmulos-ninbus bem distantes, naquele aspecto típico de "areia de praia ao vento". Achava aquilo bonito, ainda mais agora que estavam alí feito uma fotografia. Tiraria várias se pudesse. Mais ao horizonte, em contraste ao pôr-do-sol iminente, via um céu vermelho-fogo, com alguns estratos dando realmente a impressão de uma chama à brisa. Contemplou aquilo por vários minutos. Nunca tinha visto daquele jeito. Bem no alto, percebia o discreto vislumbre de uma lua em quarto-crescente, já mostrando-se ao fim do dia que se aproximava. Retornando ao plano terreno, viu uma planta com rosas vermelhas exuberantes, uma delas enamorada por um belo colibri de tonalidade azul-metal. Suas asas eram, agora, um borrão azul, um orbital, e ele, de certa forma, parecia pender do céu por um fio de nailon invisível. Notava também que as folhas não farfalhavam como de costume. Era fim de tarde e nem mesmo a brisa soprava. Mas não achava estranheza alguma naquilo tudo. De algum modo, aquilo o acalmava, confortava, serenizava. Lembrou de um poema que lera certa vez. E depois, uma música. "De vez em quando, o mundo pede um pouco mais de calma", pensou. Calma. Fechou os olhos por alguns segundos e, ao abrí-los, tudo estava lá, do mesmo jeito.
Refez o caminho desde o início com os olhos novamente. Por fim, estendeu o braço a frente do corpo, para fora da janela, como quem mede uma jarda. Virou a mão para si e, roçando o primeiro dedo no terceiro, produziu um estalo característico, bem audível para ele. Subitamente, tudo ganhara movimento de novo: a bola caiu, as mulheres gargalharam, os namorados se abraçaram, os carros desapareceram. As nuvens, agora, efetuavam sutil translação. O colibri mudara de rosa. Algumas folhas caíam vagarosamente, enquanto outras, ainda presas, crirquilhavam. Sentiu o vento ressoar na sua face. Trouxe, então, o braço para dentro da janela e, nessa hora, percebeu que a garotinha, frustrada na tentativa de agarrar o pequeno felino, dirigia-lhe o olhar. Depois de um breve momento encarando-a, ela sorriu.
Percebeu, pois, que trouxera tudo ao normal de novo. Tudo.
Post Scriptum: Vocês não imaginam o que algumas xícaras de um bom café fazem com a cabeça de um semi-escritor durante a madrugada...