sexta-feira, 28 de agosto de 2009

É ela

É ela, sim.

Foi com ela que tudo começou. Foi ela que, de início, arrancou-me a timidez e me mostrou o mundo de possibilidades que se escancarava à minha frente. Foi ela que, por vezes, fez-me ir à luta quando esta já parecia perdida, e me mostrou que o sabor da vitória, no fim, sempre justifica tudo. Foi por ela que eu perdi as estribeiras, que eu gritei, dei show, virei galã, conquistador barato, canalha. Com ela, eu conheci o lado mais animalesco do meu ser. Foi ela que me deixou bonito, às vezes, também. Foi ela também que me deixou rico e me encorajou diversas vezes a alcançar "a maçã do topo da árvore". Na verdade, ela já era, por si só, uma maçã do topo da árvore. Foi ela que fez minha cabeça fervilhar, meu mundo girar, fez-me ver estrelas, cometas, barcos, navios e até mesmo elefantes no céu. Foi ela que, dentre tantas outras, ganhou o meu olhar, o meu beijo, o meu carinho e, quase sempre, a minha gratidão. É dela que eu lembro e é com ela que eu quero estar quando a felicidade bate à minha porta. Por ela, já fiz coisas inexplicáveis, por que não indizíveis. Larguei as outras só por causa dela e, embora muitas outras ainda passem por minha vida, no fim, é com ela que eu quero terminar. Porque é ela que está sempre radiante da cor do sol quando me vê, como se a cada novo encontro eu tivesse que conquistá-la de novo, do começo, só pra relembrar tudo que já passou. Apesar de eu não falar muito, ela sabe que o meu amor é todo dela. Ela, por sua vez, também não é muito de falar, mas eu sei que ela me ama em pé de igualdade.

Por isso, é ela!

E foi por ela também que eu menti, que eu enganei, trapaceei, traí. Por ela, eu traí a confiança, a minha, a dos outros, a confiança que tinham e a que não tinham em mim. Por causa dela, fui chamado de conquistador barato e de canalha, mas também de ridículo, de sem-limites, de sem-noção. Foi por causa dela que eu levei alguns tapas na cara, mas nenhum tapa, por pior que fosse, era pior que o dela. Ela me mostrou que o chão é o pior lugar onde se pode chegar, literalmente. Mostrou-me o fundo do poço com um riso sardônico no rosto. Fez-me pagar vexame, pagar conta, pagar multa, pagar mico, pagar de ridículo. Caçoou de mim quando estive em maus bocados. Por ela eu passei mal. Por ela eu fui confundido até com bandido. Foi ela que me seduziu só pra que eu não pudesse ter as outras e que, depois de tudo, deixava-me sozinho a ver navios, os mesmos navios de antes. Ela me fez ter ciúme dela e das outras. Mostrou o que é raiva, meteu-me em confusão. Por ela eu até briguei, usei meus punhos em cólera, esmurrei outros por ela. Logo eu que sou tão pacífico (Pra você ver, ?!...). Por ela fiquei tonto e desorientado, sem saber pra onde ir e sem saber o que dizer. Era ela que não saía da minha cabeça nas horas vagas. E nas não-vagas também, por que não?! Foi por causa dela que tudo chegou a desabar quando parecia perfeito. Viraram as costas pra mim por causa dela. Não tive quem eu queria por ciúmes dela.

Mas mesmo assim, mesmo em meio à tanta tribulação, é ela, meu chapa.

Porque depois de tanto tempo de relacionamento, depois de tanta coisa vivida juntos, cheguei a seguinte conclusão: nas vitórias, ela é extremamente merecida; nas derrotas, imprescindivelmente necessária. Eu te amo, loirinha.








Post Scriptum: Nunca estive tão apaixonado... Ah, como é bom estar apaixonado...


quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Clichê

Às vezes eu tenho vontade de ter uma vidinha clichê.


Ter um dia clichê, daqueles que se acorda sempre pra comer torradas no café, ir ao trabalho, voltar para a feijoada do almoço, novamente ao trabalho, pegar as crianças no curso de inglês e voltar pra casa, apreciando aquela sopinha de legumes antes de dormir.
Ter amigos clichês, aqueles com os quais eu possa conversar sobre amores, decepções, aventuras, conquistas e mostrar que sempre pode haver um ombro para se chorar.
Viver um amor clichê, daqueles nos quais se diz "docinho de coco" e "eu te amo" a cada batida do relógio.
Ter sentimentos clichês, sem precisar esconder o choro e o riso que a vida traz.
Agir de modo clichê, dando um buquê de flores, uma esmola, um aperto de mão e sabendo que isso tudo não significa muito, que o que importa está sempre invisível aos olhos e ao coração.
Ser, enfim, uma pessoa clichê, daquelas bem clichê mesmo.


À vezes eu tenho vontade de ser clichê.
Mesmo sabendo que surpreender e contrariar o comum e o esperado é sempre mais interessante.


segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Pegar uma estrela

Essa noite, acordei no meio da madrugada e subi alto no céu. Fui lá pra pegar uma estrela.






A ingenuidade foi tamanha que eu acabei queimando a mão.


terça-feira, 18 de agosto de 2009

Travessia impossível

"É uma travessia impossível. Ninguém que tentou jamais voltou. Aquele é um rio amaldiçoado. Dizem que ela espera lá, espreitando, ansiando pela próxima vítima..."



Hermann, Hagar e Henoch eram três irmãos que adoravam viajar. Numa de suas epopéias, certa vez, andando por uma estrada tortuosa e deserta que marginava uma floresta tropical, eles se depararam com um rio. O rio não era tão largo, mas era fundo demais para vadear e perigoso demais para atravessar a nado. Os irmãos, porém, acostumados a passar por esse tipo de pendega, logo descobriram um modo de contornar o problema. Equipados com ferramentas apropriadas, os três irmãos construíram uma ponte com toras e cipós, trabalho esse que levou dois dias e meio para ser concluído. Feita a ponte, eles a colocaram na área onde o leito d'água era mais estreito, tornando travessia possível. Já era noite, mas mesmo assim eles decidiram atravessar. Já tinham perdido muito tempo.

Já estavam na metade da travessia quando viram um vulto encapuzado. Lembraram-se de uma lenda contada pelos aldeões da localidade sobra uma maldição que existia naquele rio, sobre a travessia impossível e sobre os muitos que perderam suas vidas tentando, mas não titubearam. Continuaram caminhando em direção ao vulto quando, de supetão, ele falou:

- Como ousam? - a voz grave ecoou por toda parte. Deram-se conta de que quem falava era a Morte, a própria. O que teoricamente seria seu rosto estava imerso na escuridão. Também parecia não ter pés, uma vez que flutuava sobre o tronco da ponte improvisada sem tocá-lo. Seu manto era mais negro que a própria escuridão.

Após um breve monólogo, os irmãos perceberam que a Morte estava zangada. Eles tinham acabado de lhe negar três vítimas, uma vez que o normal era que os viajantes se afogassem nas águas turbulentas do rio. Contudo, surpresa face tamanho petardo, a Morte decidiu que ofereceria a cada irmão uma recompensa por terem sido astutos o suficiente a ponto de lhe escaparem. Qualquer coisa que fosse.

Hagar, o irmão mais velho, combativo como sempre, pediu a Morte a sua foice, afiadíssima e que nunca perdia o fio. Sem hesitar, ela o entregou o seu objeto de desejo e deixou que fosse.

Hermann, o irmão do meio, conhecido por sua arrogância e prepotência, resolveu humilhar ainda mais a Morte e pediu o seu colar, que tinha o poder de reviver os mortos. Prontamente, o objeto
lhe foi entregue sem qualquer objeção.

Henoch, por sua vez, sendo o caçula, ficou por último. Dos três irmãos, esse era o mais humilde e sábio, mantendo-se sempre numa posição defensiva desde o início. Afinal, trava-se da Morte. Pediu, então, algo que lhe permitisse sair daquele lugar sem ser seguido por ela e a Morte, meio que de má vontade, entregou-lhe seu manto, que tornava o seu portador completamente invisível.

Após atravessarem o rio, os irmãos continuaram sua viagem, comentando, assombrados, a aventura que tinham vivido e admirando os "presentes" da Morte. O tempo passou e cada um tomou seu rumo.

Findada a viagem, Hagar foi ter com um velho inimigo. Armado com a foice, ele o enxotou para fora da sua aldeia, humilhando-o na frente de todos e dizendo que se ele tornasse a voltar, seria fatiado como um bife. Quando o inimigo virou as costas para ir embora, Hagar trespassou a foice pela seu tórax, matando-o no mesmo átimo. Impressionada e ao mesmo tempo assustada, a multidão recuou e temeu. Hagar se gabou de possuir a arma que, segundo ele, até mesmo a Morte temia. Na mesma noite, agindo por mera cobiça, um dos aldeões que presenciara a foice em ação entrou na casa de Hagar enquanto ele dormia, roubou-lhe a foice e cortou a sua garganta. Assim, a Morte levou o primeiro irmão.

Entrementes, Hermann viajou para sua própria casa, onde vivia sozinho. Ali, usou o poder do colar para trazer de volta a figura de uma moça a qual tivera esperança de desposar antes da sua morte precoce, ainda na juventude. A moça, contudo, estava triste e fria, como que separada dele por um véu. Embora estivesse agora no mundo dos vivos, era visível que seu lugar não era aquele, e ela sofria. Diante disso, Hermann, enlouquecido pelo desesperado desejo, matou-se para poder verdadeiramente se unir a ela. Então, a Morte levou o segundo irmão.

Já tendo levado dois irmãos, a Morte partira em busca do último, Henoch. Entretanto, por mais que procurasse, jamais conseguia encontrá-lo, e isso fez com que sua busca fosse vã por muitos anos. Somente depois de velho, quando uma vida inteira já lhe tinha sido suficiente, foi que Henoch despiu a capa e a deu de presente para o seu filho, alertando-o para seu uso e sua importância. Quando a Morte o encontrou finalmente, Henoch a acolheu como uma velha amiga e acompanhou-a de bom grado, e, iguais, partiram dessa vida.

domingo, 9 de agosto de 2009

Mais um dia

Acordou achando-se o dono do mundo. Tá bom, vá... Do mundo também não. Mas do bairro talvez. O importante era que estava muito, mas muito confiante. Mais do que nos dias que passaram. Hoje tava com aquela cara que ia ser "o" dia.

Levantou tropegamente da sua almofada. Não que tenha sido uma noite mal dormida, não, mas a expectativa deixara-o agitado. Foi até a cozinha abastecer-se da sua dose matinal e diária de leite. Para um como ele, levava uma vida com regalias além do comum, realmente de fazer inveja. Saiu pela janela por julgar ser mais rápido e menos previsível. Saltou do portal da janela para a grama macia, verde e reluzente, que formava um belo atapetado no jardim e lembrava fortemente um roupão de veludo. Sentindo a maciez no solo onde pisava, ronronou preguiçosa e manhosamente. Era uma bela manhã de sol e ele ainda estava apenas estirando as pernas. Notou o movimento na calçada: pessoas passavam naquilo que, provavelmente, era o início do dia delas. Cada uma com o seu objetivo, com algo na mente que precisava se feito ou alcançado.

E, por isso, com ele não era diferente. Sem mais, lembrou-se do porquê aquela manhã deixara-o tão firme de si. Virou-se para a casa e, vendo a parede que dividia a cozinha do jardim, divisou a janela e, ao seu lado, a calha. Aquela era uma calha bastante velha e desgastada, parte pelo tempo e parte por ele mesmo, que gostava de brincar de subir por ali para ter acesso ao telhado. Era perceptível, inclusive, as marcas das unhas no comprimento calha-acima. Caminhou descompromissadamente em direção a ela como nunca caminhara todos esses anos. No começo, subir aquela calha era bastante difícil; exigia força e preparo além da sua capacidade. Hoje, no entanto, era possível conseguir fazê-lo, como diriam, com uma mão nas costas. E assim o fez. Subiu antes que o relógio da sala, datado de 1879, herança da família, conseguisse estalar um tic-tac completo.

Aí o telhado era outro mundo. O alto do mundo, como costumava pensar. Nem mesmo as belas árvores do jardim - uma mangueira, uma macieira e dois coqueiros-anão -, ligeiramente mais elevadas, ofereciam visão tão magnífica. Mas não queria perder tempo procurando o horizonte hoje. Não hoje. Tinha uma objetivo a cumprir. Fez-se, então, o mais silencioso que pôde. Movia-se tão sorrateiramente que lembrava um tigre-de-bengala se esgueirando pela mata alta antes do clímax do ataque. Nem tinha chegado ao topo da cobertura e já sabia que estava no caminho certo: um barulho denunciava. Algo como um piado ou um canto monofônico, alternado por momentos de relativo silêncio. Foi o mais cautelosamente possível em direção à verga do telhado, alcançando-a sem emitir qualquer sinal que o delatasse. So far, so good. Ainda agachado, foi brexando vagarosamente o outro lado do telhado que se angulava descendentemente. Foi então que viu. Estava ali, parado, no mesmo lugar de sempre, com o mesmo ar despreocupado de sempre. Perigo nenhum existia.

Agora sua visão binocular de caçador estava fixa no alvo que não exibia qualquer abalo. Por um instante tudo parou. E ele pensou. Pensou, pensou, pensou. Pensou se hoje ia ser realmente diferente ou apenas seria uma enfadonha repetição dos dias anteriores.





sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Plágio

Minha relação com as palavras é dura, que nem a vida. É tão dura que chego até pensar que é injusta, que nem a vida. Quando ela se queixava que escrevia demais e compulsivamente eu me queixava que escrevia de menos e que sentia inveja dos que escreviam demais. E sinto mesmo.
Todos os dias uma fotografia nova é tirada pelos meus olhos, e todos os dias eu sinto vontade de escrever sobre essa imagem, mas me falta muito mais que as palavras, inspiração. E eu acabo esperando algo fuderoso, sensacional, fulminante acontecer para eu transformar numa historinha meia-boca, onde parte das emoções que eu sempre pretendo passar acabam sendo perdidas.

Tô plagiando mesmo. Bati o olho e não pude deixar passar a oportunidade de disseminar aquilo que eu queria dizer há muito tempo e que ela disse em poucos segundos. Porque ela é foda.










(queria ter uma palavra melhor que "foda")


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

"Wrecklessness"

Vontade de sair da linha, de descarrilhar o trem.

De fazer o que é errado, de ser vulgar, de não ligar pra absolutamente nada que possam dizer ou pensar. De correr o risco, de fazer o improvável, o impensável. Ficar do jeito que o diabo gosta. E, do alto da minha nobreza, mandar tudo, enfim, para a puta que pariu.

Porque eu gosto mesmo é do lado errado das coisas. Gosto dos intensos e imoderados. Admiro os loucos, os transgressores, os exaltados e, sobretudo, os passionais. Inspiro-me nos intempestivos, nos intermitentes, nos incorretos e incoerentes. Porque não tem conserto, porque não tem limite.

Ser certinho cansa.




Pode não parecer - e certamente não parece, pois eu prefiro assim -, mas eu gosto.


[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...