sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Super-poder: fazer repente

O post de hoje é, no mínimo, inovador. Em todos os sentidos, devo acrescentar. Também pudera: depois de um post um tanto quanto fracassado... Peço perdão desde já, mas a semana passada foi algo sem precedentes na história da minha errante vivência. Bom que passou. Enfim, passou.

Estava eu, essa semana, vivendo minha simples e extremamente feliz vida pacata, brincando de ser médico e examinando pessoas que precisam quando, de repente, meu celular toca. Era uma ligação inusitada. Muito inusitada. A pessoa, a qual não será mencionada aqui, ligou com um único propósito: falar do meu blog. Sim, esse mesmo. Pelo visto, minha terapia tá fazendo mais sucesso do que eu imaginava. Não que eu não goste, mas não sou tão acostumado com sucessos repentinos. Sou tímido demais pr'essas coisas. E ela (sim, era uma garota) começou a falar coisas muito engraçadas. Tive que sair da enfermaria para não incomodar os enfermos com minhas gargalhadas. Já esperava escutar coisas assim, tamanho é o juízo daquele ser.

Conversa-vai-conversa-vem, fomentei a idéia de um dia escrever um texto diferente. Algo mais poético talvez. Confesso que não sou muito dado a poesias. Não tenho cacife para tanto. Sou um mero observador que gosta de escrever sobre aquilo que me rodeia. Mas duvidaram da minha capacidade. Sim, duvidaram. E se tem uma coisa que me instiga são esses desafios. Depois de vários minutos de conversa, veio do outro lado da linha aquele famoso "Duvido". "Duvido que você faça uma poesia que preste. Até aposto dez reais..." Muito bem. Era tudo que eu precisa: um desafio.

Vamo ver no que é que isso dá:


Meu leitor, meu amigo
Já vou logo te dizer
Escrever é coisa rara
Complicado de fazer

Eu num sou nenhum Machado
Mas sou metido a escritor
Quando vejo algo inusitado
Escrevo logo, como for

E vivo assim, feito blogueiro
Dando sorriso e achando legal
No dia qu'isso der dinheiro
Vou viajar pro Senegal

E há quem diga por aí
Que esse blog é meu cupido
E que se não tomar cuidado
Vou virar é um marido

Mas aí que chega ela
Amiga e descontrolada
Ligando no meio da aula
Só pra falar cachorrada

E duvidando, diz pra mim
Você num é nada, pode crer
Só tá nessa de blog
Por não ter o que fazer

Gargalhando, eu lhe respondo
Abestalhada, preste atenção
Eu escrevo porque gosto
Você que é sem noção

E comigo faz aposta
Querendo me derrubar
Sei da sua, tô ligado
Seu dinheiro vou ganhar

Você agora pense bem
Antes de desafiar
Eu me arrocho, me garanto
Num se arrocha, vá pra lá

Me despedindo, vou cantando
E meu dinheiro quero ver
Amiguinha, adorei
Fazer negócio com você

E pra terminar esse repente
Um coisa vou falar:
Tu é feia, mas é amiga
e pra sempre vou t'adorar


E vocês que pensavam que eu era apenas um pseudo-cronista de fundo de quintal, né?!








Post Scriptum 1: Eu agora sou o mais novo rei do repente. [gargalhadas]

Post Scriptum 2: Esse foi o dinheiro mais fácil da minha vida. [gargalhadas]

Post Scriptum 3: Eu amo esse blog!

sábado, 18 de agosto de 2007

Risonha, normal e sem-nome

É uma das maiores razões de sofrimento. É ela que nos causa angústia, calafrio, inquietação. Não precisamos necessariamente dela para sermos felizes, mas só damos o devido valor às coisas quando ela está por perto. Em algum momento da vida, ela se fará incisivamente presente, nos esmagando com toda aquela sensação que ela, por si só, causa. Mas como todas as outras coisas que estão por aí, ela vem pra nos ensinar algo, pra nos lembrar que estamos aqui apenas de passagem. É extremamente provável que você a conheça. De fato, você deve tê-la consigo agora, nesse exato momento. Porque ela não costuma nos abandonar assim, tão facilmente. E basta parar pra pensar um pouquinho pra sentir o peso da sua mão no nosso ombro. Pensamento é o seu chamado; nostalgia, sua melhor amiga. E não venha me dizer que você não sabe do que eu estou falando. Você também sente saudade de vez em quando. É, meu amigo... saudade.

Saudade é aquela coisa estranha que esquenta nosso peito quando a gente pára e lembra dos nossos tempos de escola, por exemplo. De como era bom comer aquela coxinha cheia de óleo e gordura trans lá da cantina. De como a gente pensava que o simples fato de ter tirado um cinco na prova de matemática causaria o fim dos tempos. De ser expulso de sala tantas vezes a ponto da coordenadora tornar-se nossa melhor amiga e confidente. De assistir aulas ministradas com giz no quadro negro. Negro que, na verdade, era verde. Nunca entendi porque chamavam de "quadro negro". Ou pior: lousa. E esses momentos nos vêm à mente causando aquilo que todo mundo chama de saudade. Você pode até ter raiva ou arrependimento de qualquer coisa da escola ou da sua infância, mas nunca vai lembrá-los sem aquela nostalgia por demais aprazível, que nos faz querer que tudo volte. Essa é a saudade que, de vez em quando, nos faz querer chorar e rir ao mesmo tempo, feito um abestalhado. Essa é a saudade que eu chamo de "risonha".

Aí você lembra logo daquele seu amigo de infância que, no auge da amizade, teve que se mudar e ir morar longe. O cara que inventou a distância não sabia o que era saudade. Você já deve ter escutando alguém dizer isso por aí. E, no fim das contas, é bem verdade. Talvez, se pudéssemos aparatar do outro lado do mundo apenas pela vontade, essa frase perdesse o sentido. Mas a verdade é que ela é bem verdadeira. Por mais que exista e-mail, telefone, carta, a gente quer mesmo é ver, abraçar, porque o ser humano só acredita mesmo naquele que ele vê e toca. Imaginar que, lá longe, tá tudo bem não é suficiente. Nós fazemos questão de ter certeza. Essa, por sua vez, é a saudade que nos corrói sem nos matar, sem nos deprimir, sem nos deixar pra baixo. Vem em ciclos intermitentes, quando nossa cabeça está mais vazia e desocupada que o normal, e se mascara de felicidade quando nosso amigo volta pra nos visitar. Essa, eu chamo de saudade "normal".

Até aqui, nenhum problema. Lembrar do passado com nostalgia e dos amigos distantes com resignação é bastante comum em qualquer pessoa psiquicamente saudável. As lágrimas nunca são de tristeza. Elas vêm como forma de um sorriso tímido e uma vontade imensa de esbravejar para o mundo toda aquela coisa que cresce no peito e não tem pra onde sair. E a gente ri. Rir é algo que, estando onde for, torna-se algo explicativo. É um sinal universal.

O problema é aquela saudade que tende exponencialmente ao infinito, que comprime por todos os lados. Que nos acorda no outro dia com tapas pesados na cara, forçando-nos a encarar uma manhã cinza, tenebrosa e modorrenta. Dentre todas as saudades, é essa a única que nos faz adoecer, que produz lágrimas de pura tristeza, sem sorrisos, sem nostalgia, sem esperança. É ela que nos força a não querer fazer mais nada, permanecendo nós reclusos no nosso próprio mundo com portas e janelas fechadas pra tudo. Até mesmo para os raios de sol. Porque ela não tem outro propósito que não seja crescer e crescer. Dizem que, com o tempo, ela vai embora. Mas não é verdade. Ela sempre chega pra ficar. As pessoas que se acostumam com ela, com o tempo. Tempo esse que, nessas horas, funciona como fármaco mais apropriado. Essa é uma saudade conhecida por poucos, bem poucos. Talvez você não tenha se deparado com ela... ainda. Na saudade risonha, a gente olha pra tudo e pensa "valeu a pena"; na normal, a gente diz "volte logo". Nessa de agora, a gente não fala nada. Nada. E quer permanecer assim por tempo indeterminado. Quem já perdeu alguém muito querido sabe do que eu tô falando. Essa saudade, pra mim, não tem nome. Não saberia como chamá-la. Simplesmente não saberia.

A pergunta que nos resta é: o que fazer? Dou um doce pra quem me arranjar uma resposta.








Post Scriptum: Lili, Pastel e Leilinha... eu estarei onde sempre estive esses anos todos: aqui.

domingo, 12 de agosto de 2007

Fazer chover - parte 2


Foi quando, então, chegou 2004. Dessa vez, sim, tudo era novo mesmo. TUDO! As aulas, os professores, os ambientes, os concorrentes e, mais importante de tudo, o garotinho. Ah, o garotinho... ele agora agia de um modo que ele ainda não entendia. Por vezes, não reconhecia a si próprio. Desistiu de tentar entender e passou apenas a agir. E assim foi indo...

Com um afinco nunca antes visto nem mesmo nos idos do colégio, o garotinho sentava todo dia na mesma cadeira, à mesma hora, com o mesmo propósito: aprender. Ligações químicas, relatividade, hidrostática, funções, PA, ciclos biogeoquímicos, citologia, capitalismo, gramática, reações orgânicas... tudo era motivo, tudo era obrigatório. E assim ele foi, assiduamente durante todo o ano. Felicitava-se quando via seu nome nas concorridas listas de simulados. Tá... às vezes o nome estava lá embaixo... mas estava. Pelo menos estava.

E, quando menos se esperou, lá vinha ele: o vestibular. Sabe quando você entra numa briga com o peito estufado e tem plena certeza que vai ganhar? Pronto. De tudo isso, só faltava o "plena". Porque peito estufado ele tinha e sabia brigar muito bem. Foram quatro dias tensos, muito mais tensos que os anteriores, por causa de uma única coisinha que incomodava: dessa vez, ele poderia perder todo um ano de mesma-cadeira-mesmo-horário-mesmo-motivo. Cada palavra que o garotinho lia, lia com o desejo que fosse pela última vez. Apesar do sol na cara e do suor na testa, proporcionados pela ótima localização da cadeira nos dias de prova, ele não fraquejava. Sequer se importava. E foi. Os quatros dias do que talvez fosse o resto da vida dele tinham se passado.

Agora vem a parte engraçada. Depois disso tudo, de toda a disciplina, de todo o esforço, de toda a luta, o que era de se esperar? A glória, não?! Pois é. A glória. Mas glória não veio, infelizmente. Frustração grande para o garotinho. E sua frustração se transformou em raiva quando ele começou a ver que Glória tinha visitado certas pessoas pequenas demais de espírito. E nada podia ser feito a não ser calar, ressentir, resignar. A marca do murro na porta do guarda-roupa está lá até hoje, lembrando ao garotinho que a vida tem lá dessas coisas. Ele olha pra ela de vez em quando, nos momentos difíceis.

Como bem se pôde notar, 2004 terminou de um forma um tanto quanto modorrenta. 2005 começava e o garotinho ainda tinha aquela ira no peito com sabe Deus lá o que. Ira essa que, a princípio, tornara-o levemente desleixado. As dormidas vespertinas, coisa totalmente impossível de ocorrer antes, ficaram cada vez mais freqüentes agora. As idas e vindas da aula eram solitárias. Seu aspecto era de um psicopata que trama um plano para matar todo mundo. Só aspecto, devo acrescentar. E com o decorrer dos primeiros meses, vendo certas pessoas de novo, ouvindo certas coisas de novo, ele fez crescer sua ira por lembrar-se de que poderia muito bem estar longe dalí. As pessoas pequenas de espírito que ainda restavam lhe causavam raiva apenas por entrarem em seu campo de visão. Pode crer... ele era um revoltado mesmo.

Ah, mas essa revolta tinha os dias contados. O ano estava se passando de forma ainda vagarosa. O garotinho ainda andava levemente desorientado. Junho estava chegando e com ele vinha o inverno. E com o inverno vinha outra coisa que fez mudar tudo, fez lavar tudo: as chuvas. É... as chuvas...








[continua no próximo - e decisivo - episódio]

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

E agora, José?

Dr. José Frazão era um médico renomado. Concluira seus estudos acadêmicos numa das melhores faculdades do país. Pós-graduação, mestrado e doutorado feitos no exterior fizeram dele um ícone da traumatologia, área pela qual tinha tomado gosto quando ainda era um mero estudante universitário. Estudioso, apaixonado pela profissão e excessivamente cuidadoso com a sua aplicação sistemática e eficaz, Dr. José nunca abria mão de fazê-la valer em qualquer momento que fosse. Desde um corte no pé até um trauma lacerante de abdome, lá estava ele, pronto pra salvar alguém. Era conhecido pela gargalhada contagiante e pelo bom humor característico, sendo o preferido das enfermeiras por sempre começar seus plantões contando uma piada assaz engraçada. "É a felicidade andando de branco", diziam as enfermeiras sobre aquele homem esgrouviado, de cabelos negros e sorriso largo demais para sua face.

E era sempre assim. Às 19:00 horas começava o plantão que, teoricamente, estender-se-ia até às 7:00 do dia seguinte. Teoricamente porque ele nunca deixava o hospital às 7:00 horas. Não sem antes verificar paciente por paciente, gastando um ou dois minutos de uma boa conversa como forma de despedir-se. Isso fazia com que saísse lá pras 9 e pouco. Levando em conta, claro, que o próximo plantonista já havia chegado e não precisava de qualquer ajuda. Caso contrário, era comum sair de lá depois das 11. Chegava em casa com alma nova e corpo abatido. Dormia, comia, assistia à TV, brincava com os filhos, tendo a certeza de ter feito algo de bom por alguém. Isso o deixava demasiadamente realizado, impaciente na espera do próximo plantão que viria.

Um dia, porém, algo de incomum aconteceu. Perto da meia-noite de um dia chuvoso de Julho, Dr. José estava dando uma de suas rondas de rotina nos leitos do hospital quando foi surpreendido pela enfermeira-chefe, Dra. Marta, avisando-o de que um jovem acabara de chegar, sendo trazido pela ambulância do local no qual seu carro capotara 4 vezes, batendo violentamente numa árvore.

- Ele está muito mal, Doutor. Está desacordado e provavelmente sem respirar. Já mandei enviá-lo para o centro cirúrgico.
- Muito bem. Estou a caminho imediatamente! - disse ele, com uma face tensa e sisuda.

Chegando lá, Dr. José se depara com um garoto de 20 e poucos anos, sem camisa, cheio de hematomas pelo corpo. Estava inconsciente, deitado na maca e com um ar mórbido no rosto. Após cuidadosa avaliação, Dr. José disse:

- Muito bem, pessoal. O garoto lacerou o baço. Vamos precisar operar... e isso começa agora!

Em menos de três minutos a equipe estava toda preparada e Dr. José se preparava para fazer a incisão no corpo do rapaz. Ele e seus auxiliares estavam bastante preocupados com o decorrer da cirurgia, mas infelizmente não tinham muito tempo para pensar. Era preciso agir.

A cirurgia corria relativamente bem. Todos tentavam estabilizar os sinais vitais do garoto numa busca frenética pela vida. Nesse momento, a porta da sala abriu num baque ensurdecedor. Entrava por ela a recepcionista do hospital, Sara, com os olhos esbugalhados e a voz ofegante.

- Eles vieram com tudo, Doutor! Tentei explicar mas não me deram ouvidos! Só querem saber d...

Foi quando então entraram pela porta dois policiais carregando um homem desmaiado. Os policiais jogaram o homem na outra maca que havia ao lado da do garoto e um deles, num tom ameaçador, irrompeu:

- Esse homem é um dos criminosos mais procurados da região. O mais perigoso sequestrador que já houve... estávamos no seu encalço há mais de dois meses. Quando o encontramos, ele não hesitou em sacar a arma e atirar contra nós. Não tivemos outra alternativa que não fosse atirar de volta. Ele foi atingido e seu estado é aparentemente grave, por causa do grande número de balas alojadas em seu corpo...

O outro policial, que estava terminando de deitar o homem na maca, virou-se para o Dr. José e disse, num tom tão ameaçador quanto o primeiro:

- Esse homem detém informações valiosas para nós. Com elas, poderemos desarticular sua quadrilha, prender todos os envolvidos e salvar muitas vidas. Muitas vidas! O senhor vai ter que salvá-lo... AGORA!!!

Ainda desorientado e vendo toda aquela confusão dentro da sala de cirurgia, Dr. José murmurou:

- Não posso. Como vocês podem ver, esse jovem aqui está numa situação muita delicada e o procedimento cirúrgico já foi iniciado... estamos fazendo de tudo para salvá-lo e...

Sem muita delonga, o policial sacou a arma, apontou para a cabeça do doutor e disse:

- Vou falar de novo, vagarosamente para que não haja dúvida: o senhor vai salvá-lo.


E agora, José?







Post Scriptum 1: O final da história realmente não interessa.
[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...