segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Super-poder: filhos

Charles Darwin sabiamente disse que a natureza é operada pela evolução. Assim, peixes viraram anfíbios, que viraram répteis, que viraram aves e mamíferos. Os peixes nadam, os répteis têm escamas, as aves põem ovos e os mamíferos dão leitinho aos seus rebentos. Contudo, uma coisa permeia a vida de toda e qualquer espécie, inclusive aquelas que precederam os vertebrados superiores: vive-se tão somente para se reproduzir. O que importa, a nível evolutivo, é que seus genes sejam passados a jusante, e se você consegue fazer isso é porque está evolutivamente apto, teoricamente falando. Logo, é de praxe que se comece nascendo, para depois crescer, reproduzir-se, envelhecer e, por fim, bater das botas. Se posto num gráfico, esse ciclo resultaria numa curva gaussiana onde no ápice estaria a parte do "reproduzir-se". Em termos de evolução, a reprodução é algo muito lucrativo. Sem falar, claro, na parte lúdica.

Mas o objetivo aqui não é discutir as vicissitudes do ato em si, não. O produto pelo qual a aptidão evolutiva é perpetuada é, pois, o resultado direto do processo reprodutivo, ou seja, a prole. No caso do Homo sapiens, apelido do ser humano que pensa ter o dom exclusivo da sapiência e da racionalidade, dá-se o nome de filho. Os filhos, portanto, são os alevinos da raça humana. Nascem sem qualquer graça, perspicácia ou capacidade de se defender, e vêm com um kit ultra-básico no HD que mal dá pra suprir necessidades básicas, como andar ou comer. Em contraposição, tem os filhotes de elefante, por exemplo, que, arrefecendo de inteligência, já nascem andando. Por isso, mas que qualquer outra espécie, a prole humana necessita em severa demasia da constate vigilância e observância dos seus progenitores, para que não sejam moldados conforme as vontades do meio, que, segundo Rousseau, era deveras cruel.

Sendo assim, é fácil perceber como ter um filho é tarefa fácil. Tão fácil que tem criança que faz com divina destreza. Difícil, no entanto, é educá-lo de forma a diferenciá-lo de um macaco. E olhe que tem muito macaco por aí que num deixa nada a dever, viu?! De todo modo, é importante que, numa coletividade como a de hoje, que em nada difere da selva na qual vive o elefantinho, os filhos possam sobreviver sem grandes seqüelas. E essa é uma tarefa delegada quase - eu disse quase - que inteiramente aos pais. É preciso mostrar que nem tudo é docinho como pirulito, nem todas as pessoas dão presente e que o mundo não se resume ao quintal com piscina do vovô. Filhos são como pedra de mármore bruto: pra ficar bonito, tem que ir lapidando aos poucos e com cuidado.

Então é bom ir mostrando, desde pequetitinho, a verdade sobre as coisas. Não precisa chegar dizendo que Papai Noel capotou a carruagem, que o coelhinho da Páscoa morreu atropelado e que a cegonha entrou na turbina de um avião, muito embora toda criança goste de brinquedo embaixo da cama e ovo de chocolate na Páscoa. Tem que pôr as coisas com a devida sutileza. Tem que dizer que cerveja é bom mas tem que ter limites. Tem que explicar quem foi Einstein, o que ele fez na vida, porque o cabelo dele era daquele jeito e mostrar, dependendo do caso, uma ou duas equações pro moleque saber com quem tá lidando. Estimular, desde cedo, o gosto pelo esporte, incitando brincadeiras como tocar-a-campainha-e-correr, briga-de-galo e tora-réia. Nada de idiotices do tipo "Saia da chuva pra não gripar, menino!", "Não coma carne de porco", "Vá calçar as sandálias, já!" ou "Se eu souber que você tá roubando goiaba do terreno do vizinho, vou colocar de castigo!". Muitas infâncias são frustradas porque os pais ficam cerceando coisas essenciais na formação dos rebentos. Ao invés de ficar falando asneiras, vá ensinar como se faz uma pipa, como ser um profissional na corrida-de-tampinha, como dar cavalo-de-pau em carrinho-de-rolimã ou como construir uma casa na árvore de respeito. E nunca, jamais, em tempo algum minta. Nada de falar de leões como se fossem bichinhos de pelúcia, nada de ensinar a dirigir antes dos 12 anos (14 no caso das meninas), nada de dar o carro antes dos 15 (18, nas meninas) e nada de dizer que menino tem torneirinha e menina, florzinha. O nome é pênis e vagina, porra! Se for preciso, dê uma aula de anatomia mesmo. E diga também que serve para, entre outras coisas, mijar. MIJAR! Nem venha com essa de fazer pipi.

Desse modo, talvez eles - os filhos - não cheguem à adolescência como completos oligofrênicos. Nesse momento, sim, você poderá falar tudo sem qualquer comedimento. Vai e deve dizer que, mais do que qualquer outra coisa, ele vai ser julgado pelo que faz ou pelo que tem, em vez do sê-lo pelo que é. As notas, o tênis, o carro, a roupa, o corte de cabelo, o jeito de se vestir, de falar e todas as outras efemeridades terão mais significância que a inteligência e a bondade que possa existir em seu coração. Diga que, agora, toda vez que houver um momento de infinita alegria, a cerveja será boa inclusive se não houver nenhum limite. Diga que é vida é uma eterna senóide e que, não importa o ponto que esteja, sempre haverá um ombro para se debruçar. E, quem sabe, chorar. Aliás, diga que não há vergonha alguma em chorar por tristeza, raiva ou saudade. Pior é deixar isso ir corroendo por dentro até que não haja mais nada para corroer, até que o alicerce rache e tudo venha por terra. Fale dos amores, das aventuras, do mundo, do céu, do infinito. Fale de como o seu tempo era bom, como as coisas eram mais difíceis, como as coisas de hoje também já aconteciam antes. Para saber para onde têm de ir, filhos precisam primeiro saber de onde vieram. E nunca, jamais, em tempo algum deixe que a idade deles impeça-lhes de fazer qualquer coisa com a mesma inocência de outrora. Adulto que nunca viu o mar nunca vai poder dizer aos filhos o quão longe é o horizonte.

E mais uma coisa: lembre-os de nunca subestimar a reprodução e de sempre usar o paletó.


sexta-feira, 22 de agosto de 2008

(Des)saber

O mundo urge! Foi assim que minha professora de endocrinologia, conhecedora da medicina como poucos, referiu-se aos tempos atuais após um breve flashback relembrando seus tempos de estudante. Estupefazia-se ela com a velocidade com a qual as coisas aconteciam nos tempos "dela" e como tudo ocorre nos tempos "da gente". O mundo andava muito apressado, aos atropelos, onde os valores de outrora não eram mais os valores de agora. As coisas aconteciam muito precocemente: um dia se vai à escola pela primeira vez; no outro, você está defendendo sua tese de doutorado. E assim vai, com as coisas passando borradas como paisagem na janela do ônibus em viagem.

Por causa disso, somos cada vez mais pressionados por um mundo sem paciência. Tornamo-nos sem paciência. Aceleramos nossa vida para poder acompanhar o ritmo de prova de cem metros rasos que as coisas impõem. Sobra menos tempo pra pensar no que fazer e, com isso, chegamos aos quarenta anos com rugas de sessenta, cabelos de setenta e coração de oitenta. Tomamos escolhas motivados não pelo nosso arbítrio, mas pela influência determinista de mundo ao nosso redor. Pensamos ter total domínio sobre que fazemos e, vivendo essa ilusão, acabamos servindo às necessidades de todos menos às nossas próprias. Somos escravos, minha gente. E do pior tipo de escravidão: aquela que nos faz pensar que somos livres.

Temos, portanto, pressa para nascer. Depois em crescer, estudar, ser alguém na vida. "Alguém", como se nascêssemos com o carimbo de "ninguém" na testa. Freqüentamos a escola não mais para sermos pessoas cultas e íntegras na idade adulta, mas para acumular conhecimentos metódicos e algorítmos para poder fazer algum exame chinfrim e poder ter acesso a uma faculdade. E esperam que tudo ocorra de forma natural, com todo mundo tendo que escolher o "alguém" que vai ser na vida justamente no auge da adolescência. Belo momento pra se fazer uma escolha como essa, ainda mais quando se corre o risco enorme - e bastante provável - dessa escolha ser exatamente a escolha errada. Pensar que se sabe o que quer sempre faz parte da ilusão de que você manda na sua vida, escravo. Saímos da faculdade, trabalhamos, formamos família e chegamos na velhice sem nem pensar se era pra ser assim mesmo.

Com isso, eu volto para o momento da aula, mais precisamente para o momento que mais me surpreendeu: quando todo mundo começou a dizer em alto e bom som que sabia exatamente o que queria da vida, ignorando desde já tudo que ainda faltava para se passar até lá - e olhe que é muita coisa. Aí nessas horas eu penso ser um algo de outro planeta, pois foi nessa hora, nessa mesmíssima hora, que eu me dei conta de que era o único que não sabia. E não sabia com a mesma certeza com a qual os outros sabiam. Mas será que eu tenho necessariamente que saber? Será que essa é mesmo a hora de tomar essa decisão? Até quando o não saber é tido como normal? E vos digo: não sei. Mas não creio que seja um crime não saber que escolha tomar na hora que o mundo assim requer. Muito pelo contrário. O normal é nascer não sabendo.

A aula já acabou. O dia também já acabou. Mas o conflito permanece dentro da cabeça. E nessas horas é compreensível a angústia de quem se sente obrigado a tomar decisões firmes sempre, daquelas que mudam o rumo de tudo. Nossas escolhas, na verdade, são tomadas a cada dia que passa. Cada dia nos é dada a possibilidade de mudar ou continuar exatamente do mesmo jeito, e essa é uma decisão que nós tomamos quase que inconscientemente. Não há porque, pois, sentir-se culpado por não saber, aos dezoito, o que fazer da vida. Muito cinqüentão por aí acha que viveu sabendo, mas no fundo daria tudo pra voltar atrás. Não saber, às vezes, é a coisa mais sabia a se fazer. Não é porque encontramos uma bifurcação no meio do caminho que temos necessariamente que escolher por onde ir. Há ainda a possibilidade de parar. E de permanecer parado por um bom tempo.








Post Scriptum: Continuo sem saber.


terça-feira, 19 de agosto de 2008

Meio copo de água

Era chegado o dia. Depois de doze anos alí dentro, o tão aguardado dia chegara. Para eles, abrir os olhos e vislumbrar a possibilidade de uma mudança era algo que nunca estivera tão palpável. Por doze anos, ambos dividiram celas vicinais, separadas por uma maciça parede de tijolos sem cor, sem vida. Doze anos antes, por aquilo que alegaram ser "fraqueza de espírito", deixaram que o sangue subido à cabeça ceifasse uma vida rebenta em um ato impensado, coisa que não aconteceu nos cento e quarenta e quatro meses seguintes. Impensar. Impensar era muito pra quem já não tinha nada, mas não era suficiente. Não ter nada - amigos, família, dinheiro - era mais que suficiente. Talvez vergonha. E cautela que o medo talvez reponha.

Nesses tempo todo, que agora parecia ontem, muitas manhãs foram de guerra. Pra ambos. Deu vontade de dizer adeus, mas até isso lhes foi vetado. Era preciso estar aqui, assim, para que quando o momento de hoje chegasse, o lado de fora da porta fosse contemplado de outra forma. Da forma que fosse, mas de outra.

Mas também houve muitas manhãs de paz. As cabeças não eram iguais, apesar dos poucos cabelos que agora assentiam à brisa, nunca antes percebida com tanta agrabilidade. O tempo, por si só, opera alguma coisa. Milagre? Talvez. Mas é difícil acreditar em milagre quando o silêncio te chama de amigo por quase todo o dia. De todo modo, diziam que o sol que se põe é o mesmo que nasceu. E ele sempre nasce, para, depois, pôr-se.

E embora a cama fosse dura e a cela abafada, a sensação de adeus viera pesarosa, como aquela que se sente quando se volta à terra natal. Todos os detalhes, tudo que fazia lembrar cada dia. Mas era hora de ir. Homens livres, por lei, tinham que ir para dar lugar àqueles com os quais a lei se desentendera. Foi um longo processo desde o momento de se levantar até o de finalmente ir de encontro à porta. Mas ela estava lá. E foi quando ela foi aberta e a fresta de luz acompanhou toda a sua angulação crescente pelo chão. E os dois pisaram, enfim, do lado de fora. Lado a lado, como meros desconhecidos.

O primeiro olhou para o chão e contemplou a lama.

O segundo olhou para o céu e contemplou o sol, que, por sinal, acabara de nascer.


sexta-feira, 8 de agosto de 2008

O futuro da humanidade?

Não é difícil entender o porquê se simpatiza com uma criança apenas por vê-la em foto ou em propaganda de celular dizendo "oi". Elas, na maioria maciça das vezes, são fofinhas, rechonchudinhas, com narizes de bolinha, falam engraçado, se lambuzam, têm dobrinhas pelo corpo e exalam um cheirinho vulgarmente batizado pela indústria cosmética como "cheirinho de bebê". Verdadeiros anjinhos. Ou quase. Há muito que a infância de hoje vem translocando seus valores, alguns dos quais imprescindíveis na formação de qualquer ser humano digno de viver em sociedade. Ninguém brinca mais de boneco, de casinha, de médico, de tica, de esconde-esconde. Carrinho-de-rolimã, pipa, corrida de tampinha, cascudinho e desenho animado estão se tornando coisas obsoletas. A degeneração é tanta que já tem criança por aí que nasce equipada com celular, iPod e manual prático de como usar internet. Esse poderá ser o futuro dessa nação cada vez mais alienada, lamentavelmente.

E o que mais me enraivece é que, até meus doze ou treze anos, eu sentia enorme prazer em brincar com
Playmobil, jogar bola, construir pistas pra corrida de tampinha, ir à praia, correr, pular, subir onde não podia, tocar a campainha e correr, essas coisas que a gente faz quando é criança. E o prazer que elas me davam equipara-se a muitos poucos prazeres da vida adulta ou adolescente. Até mesmo o videogame, pelo qual sempre fui aficcionado, nunca me impedia de fazer coisas mais saudáveis, como brincar de tica-alguma-coisa ou de " no poço", brincadeira essa que precipitou muitas relações amorosas nas infâncias "da minha época". Até mesmo as pessoas que eu chamava de "grandes" me causavam medo. Era impossível eu, no auge da minha quarta série (no meu tempo era quarta série ainda), afrontar algum malandro da sexta. Morria de medo mesmo. "Ele é mais grande demais", eu pensava. Por isso, em contrapartida, eu me revolto ao ver garotinhos e garotinhas de 10 anos metidos a marmanjos-playboys e patricinhas, respectivamente.

Outra coisa que incomoda e incomoda muito:
crianças mimadas. Quem nunca viu aquela garotinha chorando no meio da loja de brinquedos, batendo o pé no chão e dizendo "Eu quero!" pra mãe, apontando o dedo pr'aquela boneca de algumas centenas de reais? Dá vontade de descer a mão, mesmo não sendo nem parente nem nada. Que mané eu quero o quê, rapaz! Crianças mimadas crescem com a ilusão de que podem manipular os outros ao seu bel-prazer e de que o mundo gira em torno das suas cabeças timpânicas e cheias de estrume de ganso. Sem falar que criança mimada é criança sem limite. Basta olhar o noticiário e você vê adolescente idiota batendo em empregada doméstica por esta ser empregada doméstica, ou tocando fogo em índio, ou aliciando crianças que não tiveram uma infância como a dele, ou fazendo qualquer babaquice digna de um completo retardado mental - os retardados que me perdoem pela comparação. A Lei Seca tá aí por causa dessas pessoas também. E é o certo. Tem que fazer agora o que painho e mainha não fizeram quando era a hora, playboy.

Outro grande mal da juventude de hoje é a tal da televisão. Mal porque ela não é usada de forma perspicaz. Televisão tem que passar somente
Cartoon Network, Discovery Channel, History Channel e qualquer canal correlato. Mais algum canal em espanhol e em inglês e talvez um canal de filmes. E só, ponto! Qualquer outra coisa é lixo e lixo do brabo. Só serve pra corroer o cérebro frágil e ainda em formação dos rebentos e infundir no que resta porcaria, fazendo com que se tornem cada vez mais alienados a cada hora perdida em frente àquele quadrado de vidro. Criança gordinha sentada no sofá comendo coxinha com molho de bacon deveria ser criança magrinha deitada na rede lendo O Pequeno Príncipe. Porque a falta de leitura também é outro problema sério, tal qual a televisão, principalmente num país que precisa mesmo é de educação em todas as suas nuances. Sem falar do sedentarismo precoce que todas essas coisas causam. A criança gordinha que vê muita TV e não lê, hoje, é o rapaz de 168 quilos que tem diabetes, hipertensão arterial e problemas coronarianos de amanhã, coisa que dá muito dinheiro a endocrinologista.

E como forma de fazer algo por isso, quero apenas fazer o apelo de que depende de nós, a velha-guarda, mudarmos o curso das coisas. Um dia, cada um vai ter seus filhos e, provavelmente, não vai querer que ele cresça um completo incompetente social, que adora dormir e colecionar bens materias e fica por fora quando o assunto é Machado de Assis ou Império Romano. É como as águias, que fazem de tudo até que seu filhote possa voar sozinho do ninho no alto da montanha. Depois disso, só o vento, amigo velho. Só o vento.

Pfu! E pensar que eu adorava aquele programa da TV Cultura, Terra, que mostrava tudo sobre a natureza e ainda por cima tinha Raul Seixas cantando majestosamente a música de abertura.

É... eu que era estranho mesmo. Totalmente.








Post Scriptum: Ah! A título de informação, não é normal as meninas terem sua menarca aos nove anos, okey?


[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...