segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O colo de vovô

Quando eu era pequeno queria ser astronauta. Obviamente que quase todo menino já teve essa vontade um dia. Lembro-me nitidamente do meu avô colocando-me em seu colo, no terraço da casa de vovó, e explicando como ele fazia para se orientar pelas estrelas nos seus idos tempos de marinheiro. Eu olhava para aqueles pontinhos brilhantes no céu tentando realmente entender o que vovô queria dizer com "distante", porque pra mim, distante era a quintandazinha que ele me levava pra comprar picolé, localizada no dobrar da primeira esquina rua abaixo. E, de certo modo, eu cresci com esse fascínio pela infinitude do universo e pela longinqüidade das estrelas, e na minha cabeça a única forma de pegar uma estrela na mão - porque eu tinha certeza que elas eram pontinhos mesmo - era sendo um astronauta. Confesso sem vergonha ou arrependimento que ainda sonho com isso de vez em quando hoje em dia.

Aí depois eu quis ser mergulhador. Acontece que eu também morria de medo de tubarão. Uma vez eu vi um filme na televisão que o tubarão comia um homem ao meio e comecei a chorar. Meu irmão, muito mais novo que eu, assistia como se fosse mais um desenho animado. Aí um certo dia, no sofá da casa de vovó, vovô sentou do meu lado com um livro que era cheio de fotos de peixes. Lá pro meio desse livro, tinha uma foto aterradora de um tubarão, como se ele estivesse vindo em direção à câmera pronto para comer o fotógrafo. Aquela boca enorme e cheia de dentes me fazia tremer só de olhar. Quando eu já ia passando a página, no afã de me livrar daquela visão e evitar que ela me rendesse várias noites de pesadelo, vovô segurou minha mão e me colocou no colo de novo. Daí me mostrou o seu dedo indicador e começou a passar por sobre a página, em cima da boca do tubarão. "Não tem porque ter medo, vê? Ele não pode fazer nada com você...", ele disse, e, com meu dedo, repetiu o gesto. Confesso que, com vovô alí do lado, o tubarão parecia um peixinho de aquário. Demorou um tanto considerável até que eu tivesse coragem o suficiente para passar o dedo sozinho.

Nunca mais tive vontade de ser algo assim. O tempo destinado à medicina e ao cuidado com o próximo em muito me consome e, agora, em muito me satisfaz também. Mas nós sempre temos que ter um plano B, ?! Nem que seja pra sonhar. Porque um dia vovô vai nos tirar do colo e nos colocar de pé, pra que a gente possa olhar as estrelas por si sós e, quem sabe, dominar um tubarão por dia.








Post Scriptum 1: Tanto o livro do tubarão como o das estrelas são meus agora. Servem para me mostrar, por vezes, que nada é tão distante ou tão amedrontador quanto aparenta.

Post Scriptum 2: Uma nostalgia eterna...


[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...