segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O colibri

Acordou. Preparar-se-ia para mais um ritual que se seguia toda manhã: levantar, tomar banho, tomar café, colocar a roupa da escola, arrumar o material, entrar no carro, ir para a escola. Era sempre assim desde que começara a cursar a sexta série. Não que gostasse muito, pois acordar cedo era realmente um saco. Mas o que mais monotonizava o processo era o fato de sempre ser uma coisa maquinada, sem nenhuma novidade ou surpresa.

Naquele dia, porém, ao se dirigir para o carro, notou algo estranho. Numa das plantas de médio porte do jardim havia algo parecido com um ninho. Ao chegar mais próximo, ele comprovou que o era. Alguma ave, a princípio, teria feito daquela planta sua morada. Tamanha foi a sua surpresa quando, segundos depois, descobriu que aquele era o ninho de um beija-flor. Nunca havia visto um tão bonito e reluzente como aquele. Tentou pegá-lo, mas ele frustrou-lhe a tentativa. Ao chamado do seu pai, entrou no carro e foi para a escola. Passou a a manhã pensando se o pequeno colibri estaria lá quando retornasse.

Para sua surpresa ao retornar o ninho não só estava lá, como também estava a ave, pousada em toda a sua majestade. Sem pensar muito, o garoto tentou apanhá-lo mais uma vez, o que fez com que o pássaro voasse para longe. Entrou em casa para o almoço, planejando um modo mais furtivo de apanhar o fujão. Após a refeição, retornou ao jardim e ficou contemplando o pássaro em todo o seu esplendor. Não conseguia pensar em nada que pudesse torna aquele beija-flor captivo. Vez por outra, ele voava pelas flores próximas, pairando no ar como se houvesse um fio invisível sustentando-o do céu. Ao fim da tarde, o colibri ainda estava livre e o garoto, inquieto.

Durante várias semanas, esse evento se repetiu. Entretanto, apesar de aparentemente monótono, o tempo dispendido em pensar numa forma de capturar o animal instigara o garoto a retornar dia após dia. Tentou algumas maneiras pouco efetivas, que quase sempre resultavam em fuga da ave e resignação do menino. Teve até uma vez na qual o pássaro demorou quase um dia inteiro para retornar. Mas o garoto parecia gostar daquilo. Passava as tardes sempre lá, na esperança de que o pássaro fosse seu.

Depois de muito tempo sem sucesso, numa manhã morosa, o garoto já sem grande interesse percebeu que o ninho do beija-flor não estava mais lá. Na verdade, uma torrente chuvosa ocorrida na madrugada daquele dia havia destruído a frágil morada. De imediato, o menino começou a procurar o pássaro pelas redondezas. E viu. Estava parado, em plena desolação, debaixo de uma frondosa folha de uma árvore de maior porte na proximidade. Aproximou-se lentamente a fim de não espantar o desabrigado. E então aconteceu: o beija-flor levantou vôo e veio ter no ombro do menino. Despojada e cuidadosamente, o garoto o pegou entre os dedos, tendo cuidado para não machucá-lo. O pequeno beija-flor tinha um ar de desamparo e isso logo comoveu o menino. Naquela mesma tarde, o garoto levou a ave para uma praça próxima e alocou-o no oco de um imenso baobá. Ali o pássaro sentiu-se em casa. Todo dia, após voltar da aula, o menino ia à praça ver o beija-flor. E o beija-flor estava sempre voando, feliz. O menino jurava que, por vezes, se ele pudesse falar, agradeceria-o por tudo. Para o menino, o fato de ter conquistado aquela coisinha pequena e frágil já tinha valido tudo.

Um dia o beija-flor foi embora, é verdade. Mas mesmo assim o garoto continuava a ir à praça todo santo dia. "Ele não pode ter ido muito longe", ele dizia. "Colibris nunca vão embora... Colibris nunca abandonam sua violetas...". E ele estava certo. Por Deus, como estava certo.





Post Scriptum: Nunca abandonam suas violetas.


[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...