quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Mais um dia

Terça-feira última, madrugada do dia 29 de Setembro de 2009.

A.M.M.S, feminino, 29 anos, natural e procedente do interior do estado de Pernambuco, morando em Natal desde os sete anos de idade. A.M.M.S. - a qual convencionaremos chamar apenas de "A" - chega ao pronto-socorro do Hospital João Machado (HJM) trazida por um daqueles cidadãos de bem que possuem o coração maior que a caixa torácica. A foi encontrada deitada na calçada de uma igreja bastante conhecida na cidade, igreja essa que meus amigos apelidaram de "Casa da Moeda" e que, coincidentemente, pertence a um rapaz de bem chamado Edir Macêdo (apelido mais coerente, impossível, né ?!). O senhor que ajudou A alegou que ela apresentava um comportamento estranho, como se estivesse passando mal, e perguntou se ela não queria ser levada ao hospital. No caminho, entretanto, algumas revelações de A fizeram o senhor se dirigir para o HJM. Lá chegando,
A foi prontamente atendida pela equipe de plantão, e é aqui que começa a sua (breve) história.

A, conforme já dito, nasceu em Pernambuco, onde passou o início da sua infância. Aos 3 meses de idade, seus pais a abandonaram à própria sorte e - não me pergunte como -, aos sete anos, ela mudou-se para Natal. Desde lá, A vive perambulando pelas ruas da cidade, sobrevivendo com aquilo que as pessoas dão, quase sempre dinheiro em pequena monta. Foi na rua que ela conheceu e aprendeu sobre tudo aquilo que sabia até o momento. Não tinha parentes, sequer amigos. Estava no que aparentava ser o sexto mês de uma segunda gravidez completamente negligenciada. Perceba que eu disse segunda. A primeira havia findado há pouco mais de dois meses e o rebento também não recebera os cuidados adequados. Em ambas, o pai da criança era desconhecido. A chegou ao hospital com sintomatologia típica de um adicto em síndrome de abstinência. Ao ser indagada, alegou ser usuária de drogas desde o final da infância. Ultimamente, sua droga de predileção (não sei se se pode chamar isso de "predileção") era o crack, o qual não era consumido havia dois dias, justificando o quadro que ela apresentava. Questionada sobre parceiros e atividade sexual, A disse que possuíam vários parceiros - a ponto de não saber dizer quantos - e que praticava sexo "com quem quer que fosse" para conseguir o dinheiro da droga. Consumava-o no meio da rua mesmo, sem choro nem vela. Indagada sobre o pré-natal das crianças, relatou que nunca fez. "A criança simplesmente nasce, dotô". Nesse ponto, devemos agradecer à natureza, que sempre soube o que fez mesmo.

Passado esse momento, medicação adequada foi prescrita para A. Pelo menos nas próximas doze horas ela se sentiria melhor. Depois da consulta, ela ficou sentada num banquinho, admirando o jardim e se empanturrando com metade do lanche de alguém - metade de um sanduíche natural e metade de um achocolatado. "Essa é a melhor refeição que eu faço na vida, dotô". Pela manhã, A permanecia sobre o mesmo banquinho, acordada, quieta, talvez ponderando se aquele seria "mais um dia".

Engraçado que a enfermeira que sempre reclamava que faltava água no bebedouro, hoje, não reclama mais. De repente, a vida dela pareceu uma maravilha.








Post Scriptum: Baseado em fatos reais. Talvez reais demais, eu diria.


[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...