segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O caduceu de Asclépio

Segundo reza a mitologia grega, Asclépio (ou Esculápio, na mitologia romana) nasceu mortal, mas depois da sua morte o seu pai, Apolo, concedeu-lhe o direito à imortalidade transformado-o em uma constelação, a Serpentária. Filho de Apolo e Corônis, Asclépio foi criado por um centauro chamado Quíron, com o qual aprendeu a manipular ervas medicinas com divina maestria. Tornou-se tão perito na arte da cura que, não bastando curar os enfermos, passou também a ressuscitar os mortos, tarefa essa antes reservada apenas aos deuses. Tal atitude despertou a ira de Zeus que, tomado pela cólera, fulminou Asclépio com um de seus temerosos raios. Na lenda mitológica, Asclépio era sempre retratado portando uma espécie de bastão, salvo-conduto dos arautos, que conferia imunidade àquele que o portava em missão de paz. Esse bastão se chamava caduceu e é parte da simbologia representativa da ciência médica moderna.

A outra parte do símbolo, o
ofídio, veio como forma de mostrar que o bastão, com sua imunidade, poderia proteger de algum veneno ou perigo iminente. Sendo assim, o símbolo é formado pelo bastão entremeado por uma serpente, e isso é a medicina. Curar às vezes, aliviar com freqüência, consolar sempre, já dizia Hipócrates nos tempos idos de outrora. E é disso que consiste a medicina: um eterno combate ao "veneno" que por vezes acomete o homem, cerceando-lhe aquilo que se julga mais primoroso: a vida. Conhecendo-se a história de Asclépio é fácil entender porque, desde os primórdios, o médico é encarado como deus. Ou o porquê dos mesmos agirem como o fossem. Inclusive nos dias de hoje.

A grande questão é que a medicina não é uma ciência melhor que qualquer outra. Química, matemática, filosofia, engenharia, astronomia, sociologia, todas têm o seu lugar na formação do conhecimento de um mundo que, pra nós, acaba logo
alí depois da esquina. O grande problema com a medicina é que, além de lidar com a subjetividade do ser humano e da sua essência, seu embasamento se fundamenta em algo inexoravelmente único como a saúde e, em última análise, a vida. A medicina é praticada com a crença de que o dom da cura plena só é reservado aos deuses, e, por isso, o seu insucesso é a sua maior frustração: a morte. E não adianta lutar contra ela. Por mais que se tente, ainda somos formados de uma matéria pobre, com validade determinada, que vai virar pó no fim de tudo. Não há razão de achar que o branco é reflexo do manto dos deuses.

E, tal qual os deuses, médicos criam para si o seu próprio Olimpo, separando-os do resto dos, digamos, mortais. Seus méritos e motivos não se equiparam a nenhum outro e o seu envolvimento só será aceito quando com outro integrante desse Olimpo. Tem até quem pregue por aí que médico tem mesmo é que casar com médico pra não contaminar a divindade que os cerca e não comprometer a pureza do sangue. E de tão deuses que são acabam esquecendo que nasceram mortais, na esperança de que um dia seus nomes estejam nas constelações do
Zodíaco. E perdem o lado humano com o qual deveriam olhar para aqueles que os procuram, aqueles que não podem alcançar o Olimpo nem sequer possuem ervas medicinais. Não sabem eles que Zeus está por aí, afiando seus raios para lançá-los com toda a ferocidade. O Olimpo vai pegar fogo.

[ O parágrafo que era para vir aqui deveria conter comentários mais positivistas. Mas não vai ter parágrafo algum aqui. Imaginem o positivismo que quiserem... ]

E que fique bem claro:
doutor é um título concedido apenas e tão somente apenas a quem doutorado. Ponto.








Post Scriptum: Tem coisas na medicina que são definitivamente inadmissíveis.


[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...