sábado, 20 de setembro de 2008

CPI

Era uma creche. E começou assim...

- Olá! Tudo bem com você?

- Tudo! (balançando a cabeça positivamente).

- Como é o seu nome?

- Iana.

- Que nome bonito, o seu! Quantos anos você tem, Iana?

(mostra a mão com quatro dedos)

- Tá com vergonha da gente?

(balança a cabeça positivamente de novo)

- Mas num fique não. Hoje a gente vai brincar com você. Você quer brincar com a gente?

- Quero.

- Pois pronto. Ó, meu nome é Yuri, esse aqui é tio Léo e esse outro, tio Hugo. Quer uma massinha?

(estende a mão pra pegar a massinha)

As brincadeiras foram continuando até o ponto onde foram feitas uma série de perguntas.

- Iana, você sabe o que são as nuvens?

- As nuvens
é quando a chuva se junta com o sol. Aí forma as nuvens.

- Hum. E você sabe de onde vem a chuva?

- Vem das nuvens, ué.

- Sei, sei. Mas e o sol? Como é o sol?

- Redondo. E amarelo. E fica lá no céu, junto com as nuvens.

- Eita! Mas como você sabe disso?

- Porque eu já vi, ué.

- Ah! Então quer dizer que o sol e as nuvens moram no céu, é isso?

- É.

- Hum. Mas esse céu que você diz, ele fica aonde mesmo?

(apontou o dedo pro alto)

- Osh. O céu fica no teto da sala?

- Não... (rindo timidamente). O céu fica lá em cima, lá longe. É aquela coisa azul lá em cima.

- Azul? Mas por que azul?

- Er... er... É porque é. Eu vi.

- Hum. E você sabe como os passarinhos voam?

- Batendo as asas assim: (balança os braços como asas batendo).

- Eita! E você sabe voar também, é?

- Nãããããããooooooooo! (rindo espalhafatosamente).

- Ah, pensei que soubesse. Mas e quando fica escuro, à noite, pra onde vai o sol?

- Ele se esconde por detrás das nuvens.

- Ah, então é por isso! Danado! Mas me diga outra coisa, Iana: de onde vêm os bebês, você sabe?

Breve pausa.

- Vêm do céu, ué.

- Osh. E eles caem do céu assim, de repente?

- Nãããooooo! Eles vêm de pára-quedas.

- Aaaaahhhhhh! Mas esses pára-quedas, onde eles conseguem?

- Deus que dá pra eles. Deus faz os bebês e manda eles de pára-quedas pra cair na barriga da mãe.

- Hum. E foi assim que você veio pra barriga da sua mãe?

- Hum-rum (balança a cabeça positivamente).

- Sei. Mas eu não vim de pára-quedas, não. Eu entrei na barriga da minha mãe escorregando por um tobogã, lá do céu.

(cara de espanto e vontade de rir)

- Você já viu esse tobogã?

- Não.

- Pois depois eu te mostro. Quer dizer mais alguma coisa?

(balança a cabeça negativamente)

- Num quer nem contar uma piada?

(balança a cabeça negativamente de novo)

- Você sabe a piada do pinto, Iana?

- Não.

- É, nem eu. Quer fazer um desenho? Chegue, tome esse lápis.

(desenha algo no verso do papel)

- Eita! Que desenho bonito. Quem é esse?

(aponta pra Hugo)

- E esse?

(aponta pra Léo)

- E esse?

(aponta pra mim)

- E essa deve ser você, né?

- É.

- Hum. Agora assine aqui. Coloque seu nome pra gente saber que foi você que desenhou.

(assina o nome)

- Eita. "Iana Diógenes..." de quê?

- Iana Diógenes de Azevedo Brito.




- Aaaahhhhhh. Muito bem. Ficou realmente muito bom, seu desenho. Agora vamos que tá na hora de voltar pra salinha, tá bom?

(balança a cabeça positivamente)

E ela voltou pra sala.








Post Scriptum 1: Iana era uma garotinha de quatro anos, moreninha, com cara de índia e um tanto tímida.

Post Scriptum 2: Custava nada dizer a verdade sobre a origem dos bebês?

Post Scriptum 3: Quando acabou, a professora ainda veio me dizer que Iana tinha dito que o tio grandão era o mais bonito.


[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...