Dentro do universo de perguntas incompreendidas, essa deve ser a mais incompreendida delas. Você, inclusive, deve ter se questinado, tentando imaginar algum como ou porquê. É típico: você no meio de alguma multidão - na sala de aula do colégio, da faculdade, no meio da rua, numa festa... enfim - quando, de repente, tudo fica em câmera lenta, quase como se o tempo intencionasse paralisar. A impressão que dá é que só você vê a coisa daquele jeito (e, provavelmente, só você vê assim mesmo), porque tudo continua ocorrendo independente da sua vontade ou julgamento, sem falar que ninguém nota a sua presença. Ninguém. Se você já passou por situação similar, não se espante. Isso ocorre quando a boa e velha solidão resolve te visitar. E, ao contrário do que a maioria crê, essa não é uma visita necessariamente desagradável, ou pelo menos não deveria ser. Solidão é um negócio, por vezes, necessário. E como.
Mas isso também não quer dizer que, a partir de agora, todo mundo deve largar os namorados, as mulheres, amigos, familiares e passar a viver na mais total solidão. Não, não. Nem a pau! Num sei se vocês sabem dessa história mas, antigamente, existia uma revistinha, espécie de gibi, que era muito famosa. Tinha circulação mundial e conquistava (quase) todo mundo pelo modo com o qual ela contava histórias sobre pessoas. Pois bem. Numa dessas histórias, a revistinha dizia que teve um dia no qual um rapaz muito inteligente resolveu criar bonequinhos à sua imagem e semelhança. Depois de criado o primeiro bonequinho, ele achou que seria muito estranho aquele bonequinho viver sozinho. Foi quando, então, num momento de extrema epifania, o rapaz criou, da costela do primeiro, um segundo bonequinho bastante semelhante, que tinha como propósito fazer companhia ao primeiro. E a história seguia, mostrando em seu desfexo uma macieira muito reluzente e uma cobra, aparentemente muito má, que falava. Enfim, a idéia é mostrar que, mesmo naquele tempo longíqüo, já se dizia que o bacana mesmo era viver em companhia de outros "bonequinhos", muito embora algumas pessoas muito mal-humoradas da época não tenham achado a mínima graça nessa historinha e tenham pregado o rapaz num trambolho feito com pedaços de madeira pra que ele aprendesse a não contar mais histórias sem graça. Coitado.
Desse dia em diante, as pessoas sempre buscam a companhia umas das outras como forma de descobrir se aquilo que o rapaz tinha dito era bacana mesmo. E parece que ele tinha razão, viu? Tem gente que não sabe ficar sozinha. E isso, de vez em quando, configura um problema. Problema porque tem coisas, muitas coisas, que só se completam na solidão. Mais da metade dos grandes problemas que afligem a cabeça das pessoas seriam bem menos pesarosos se elas admitissem que precisam estar sozinhas de vez em quando. Grandes decisões não podem, em hipótese alguma, serem tomadas no meio de um boteco, aos quarenta e quatro do segundo tempo de um Fla-Flu. Nem muito menos no meio da tarde, às 15h, durante aquele expediente nada estressante no escritório. As pessoas precisam saber que têm de estar sozinhas, oras. É necessário. Aliás, extremamente necessário, eu diria, reconsiderando como tudo acontece hoje em dia.
E o estranho é que, desde criança, não nos é dado o devido momento pra refletir sobre a importância de se estar sozinho. Por isso, ninguém (ou quase ninguém) sabe a hora de procurar a solidão, ao invés de deixá-la simplesmente aparecer em meio à melancolia. E o pior de tudo é quando o costume com os outros é tal a ponto de se achar que a solidão é algo nocivo, desnecessário e, em certos casos, doentio. Ou vai me dizer que você nunca julgou assim aquele garotinho do colégio que sentava na última cadeira da última fila, num fala uma palavra e nunca era lembrado nas festas da sala? "Ele é estranho", dizem as patricinhas. Sempre. O pior é que esses garotinhos sempre escondem uma genialidade singular. E sempre se dão bem. Ao contrário das patricinhas, óbvio, que seriam aquilo que Rubem Alves certa vez chamou sabiamente de "maritacas".
Isso tudo se nem mencionar que há coisas que só são devidamente contempladas e/ou entendidas durante aquele nosso momento autista. Não há vergonha alguma, inclusive, em se ter amigos imaginários. São eles que nos dão conselhos quando todo mundo acha que a gente tá falando sozinho. Às vezes, só eles riem com nossas piadas, só eles sabem nossos segredos, só eles parecem dar as melhores idéias. E se você parar pra pensar, eles estão dentro da sua cabeça, do seu mundo, e geralmente eles não gostam muito dos seus outros amigos. Sem falar que, quando estamos sozinho, a vida parece até ter trilha sonora. Aí pronto: um momento seu e de seus amigos, solitariamente, com aquela música de fundo. Isso é bacana demais, rapaz. Faça o teste e você vai ver.
Agora se eu fosse o rapaz lá dos bonequinhos, tinha demorado um pouco mais pra colocar o segundo bonequinho na jogada. Ele foi muito afobado nesse ponto. Mas também pudera: o coitado talvez também não soubesse como conviver com os amigos imaginários dele. Tsc tsc tsc.