sábado, 13 de junho de 2009

Vida louca, vida

Vida: t'aí uma coisinha difícil de se definir. Filosoficamente, está no mesmo patamar de "tempo", de "amor", de "fé", que são aquelas coisas que todo mundo conhece, sabe o que é, mas é incapaz de definir precisamente. Ninguém sai por aí dizendo que tempo é isso, que amor é aquilo e que ter fé é ser assim ou assado. Nenhuma das definições vinculadas por aí, inclusive aquelas de dicionário, são satisfatórias. O Larousse, um dicionário que eu uso desde a quarta série, tem a ousadia de dizer que vida é uma característica própria aos seres vivos que possuem estruturas complexas, capazes de resistir a diversas modificações, aptos a renovar, por assimilação, seus elementos constitutivos, a crescer e a se reproduzir. Pfu!, grande pebice. Quer dizer, então, que seres que não possuem estruturas complexas, como vírus ou anêmonas, não possuem vida? É isso? Porque se for, eu rebaixo esse dicionário a peso de papel agora mesmo.

Mas a complicação não pára por aí. Viver, coisa que as pedras não fazem e as árvores fazem pela metade, é um privilégio de poucas entidades nessa imensidão de universo. E, realmente, quanto mais complexo o ser, mais cheia de atribulações é a sua vida. Nós seres humanos, por exemplo, vivemos o suficiente para descobrir que, embora finita, uma vida só às vezes não é o bastante. Talvez tenha sido baseado nessa frustração que um rapaz chamado Alan Kardec criou, há um bom tempo atrás, uma doutrina chamada espiritismo, que fala sobre outras vidas além desta atual. Ele devia ser muito puto com esse negócio de uma vida insuficiente e saiu por aí dizendo essas coisas. Ou não. Vai ver que isso foi só coincidência mesmo.

A questão é que o ato de viver nos causa uma vã ilusão. Nosso tempo passa de modo cíclico, sempre repetitivo. Vivemos um segundo agora, em seguida outro segundo. E depois já se foi um minuto, e outro minuto, uma hora, um dia. É tudo cíclico: as 12h do dia de hoje serão iguais às 12h do dia de amanhã e de depois de amanhã, até o fim dos tempos. Dias passam para que possamos viver os meses, um de cada vez. Do mesmo modo, os meses se somam para que os anos nos passem sempre da mesma forma, à sua maneira. Verão, Carnaval, Páscoa, férias, volta às aulas, provas, Natal, ano novo e assim por diante. Temos tudo para acreditar que a vida é um tremendo marasmo, altamente entediante, que não tem outro objetivo que não o de ser repetir nela mesma. Mas como já disse algum filósofo no passado, um rio nunca passa duas vezes no mesmo lugar, o que quer que isso signifique.

E nessa hora a ilusão de desfaz. Damo-nos conta, por exemplo, de que o nosso aniversário de hoje - aniversário porque é a data que, talvez, mais nos interesse em termos de significância - é totalmente diferente daquele comemorado ano passado. Entre o de hoje e o do ano passado, há uma latência temporal de trezentos e sessenta e cinco dias. Portanto, nesse meio tempo, tivemos, no mínimo, trezentos e sessenta e cinco oportunidades de tomarmos outro caminho ou, ainda, de permanecermos no mesmo caminho de sempre. Foram, logo, trezentos e sessenta e cinco escolhas e, depois de tantas, seria muita audácia dizer que ainda somos os mesmos. É só pensar um pouco nos seus interesses de dez anos atrás e nos de agora e ver que são pessoas completamente distintas.

Entretanto, mesmo fazendo todo esse raciocínio, não é possível dizer de modo acurado o que é vida. É fácil perceber, contudo, que mesmo com as coisas aparentemente se repetindo, elas nunca se repetem da mesma maneira. Amizades, conquistas, pendegas, amores, dificuldades, tudo acontece à sua maneira. E talvez seja isso que deixe a vida tão interessante. Chegar lá na frente, no "fim" de tudo e ver que os dias passaram da mesma forma, com suas manhãs, tardes e noites, mas foram vividos de forma totalmente ímpar. Um dia após o outro. E depois outro e outro. E ter certeza que, embora a gente não faça a mínima idéia do que a vida seja, ela valeu totalmente a pena.

E depois de tudo, eu pergunto: se não fosse assim, se a vida não fosse finita, se fôssemos verdadeiramente imortais, como você acha que seria sua vida? Hã?








Post Scriptum: A discussão ainda não terminou, viu?!


[ "You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland, and I show you how deep the rabbit-hole goes... Remember: all I am offering is the truth, nothing more." ]

Quando a gente acredita, a gente pode fazer chover...